Ronaldo é passado, presente e ... futuro!

OPINIÃO26.11.202205:30

Como podia eu deixar de admirar Ronaldo, quando ele, o que vem dizer, é que quer continuar a jogar futebol a um alto nível, porque tem paixão pelo futebol, porque ama aquilo que faz?

V IVEMOS um tempo mundial de cinismo e hipocrisia, onde a par de uma guerra, que se não é mundial no terreno, é pelo menos na economia, temos desportivamente um Campeonato do Mundo de futebol no Catar, onde políticos e dirigentes desportivos (nacionais e mundiais) se multiplicam em declarações hipócritas, que causam indignação, risos e tristezas, numa mistura absolutamente ridícula.

Por tal motivo, não estava, na semana passada, muito virado para escrever um artigo de opinião. Apetecia-me chamar nomes a toda a gente, o que não se coaduna com liberdade de expressão e opinião, pois criticar não significa má língua. Mas o Thinking Football Summit veio salvar-me desse estado de espírito, absolutamente negativo, pois, convidado para intervir num painel sobre Justiça Desportiva, tive de me deslocar ao Porto. Este sim, foi um motivo válido para não escrever.

Hoje, aqui estou de novo, para escrever, se calhar sobre os mesmos temas, mas bem mais tranquilo, porque aqueles que me causaram aquele desejo de explodir, meteram a viola no saco, e, embora continuem a dizer mal, devem sentir-se um pouco envergonhados, com os acontecimentos que se seguiram.

Antes de eu me sentir a explodir, explodiu o Ronaldo, partindo a louça toda e fazendo saltar todos aqueles que o querem enterrar, sem sequer o matar, porque lhes falta a coragem, moral e não só. Dizem-se gratos, mas... Mas nada, que o sentimento que está em causa, não tem nada a ver com ingratidão, mas com uma coisa muito simples, que é a aversão escondida à verdadeira liberdade, que é algo de que muitos falam, mas pouco praticam. Para se ser livre, não basta poder, também tem de se querer.

A minha grande admiração - e hoje com grande saudade - pela figura de Mário Soares, vem do tempo da Faculdade de Direito, onde, inclusivamente, era contemporâneo do seu filho João Soares. Eu era contra a situação, como se dizia nesse tempo, e lutava, modestamente, pela liberdade. Mas, todos os dias, saía da Faculdade e regressava a casa onde vivia com os meus pais e irmãs. O João não: tinha o seu pai exilado em nome de uma luta contra ‘O Portugal Amordaçado’! Mário Soares podia ter uma vida confortável, mas preferiu trocar o valor do conforto pelo valor dos princípios. E daí a minha saudade: Portugal está a tornar-se, de novo, amordaçado.

Hoje a liberdade, sobretudo, a liberdade de opinião e expressão, está muito condicionada pelo lado material da vida. Os pobres não têm pão para comer, quanto mais preocupações com a liberdade de expressão e pensamento; os sobreviventes gostariam de exprimir livremente os seus direitos, mas o magro salário que recebem no fim do mês conduzem-nos a não fazer ondas, para isso mesmo: sobreviver!
 

«Ronaldo, temos temos de ter alguma compreensão, porque não dormem tranquilos só de pensar na possibilidade de voltares ao Sporting»


Os ricos e os muito ricos querem ser cada vez mais ricos e, por isso mesmo, pouco lhes importa se há liberdade de opinião ou não, desde que a sua conta bancária (seja a conhecida ou a desconhecida) continue a aumentar. Bem pelo contrário, e com excepções, pretendem é que não haja muita liberdade de investigação e expressão.

Há, porém, ricos, e muito ricos, que têm a coragem de assumir a velha afirmação de que o dinheiro não dá felicidade. Ajuda muito - nunca vi um pobre dizer que se sente feliz - mas realmente não é sinónimo de felicidade, quando a realização do homem, enquanto ser humano, com princípios e valores, não está no dinheiro, mas naquilo que se faz por amor e paixão.

A entrevista de Cristiano, para mim, tem esse significado, e, por isso, ainda fiquei com maior admiração por ele. O dinheiro que ele ganha no futebol não são peanuts, mas, se calhar, já não é a parte mais importante da sua fortuna. De qualquer forma, o que disse e como disse, é mesmo o desabafo estrondoso de que o dinheiro não significa tudo para ele. Quieto e calado, provavelmente, já não tem tempo para gastar tudo o que tem. O bem-estar material dele e dos seus está certamente assegurado. Mas isso não chega para ele, e tem todo o direito a ter ainda objectivos e ambições para a sua carreira ímpar de futebolista.

Os mesquinhos e os pobres de espírito não conseguem compreender isto porque andam na vida apenas pelo interesse material. Satisfazem-se se puderem comprar um bom carro para dar nas vistas, andar em bons restaurantes, ou melhor, em restaurantes caros, exibir roupas de marca e relógios, mas não passam de uns tristes, que não têm ambições para além do dinheiro.

Como podia eu deixar de admirar Ronaldo, quando ele, o que vem dizer, é que quer continuar a jogar futebol a um alto nível, porque tem paixão pelo futebol, porque ama aquilo que faz? É que admiro também o grande cirurgião que continua a ser feliz porque gosta de salvar vidas com a cirurgia, quando podia estar de papo para o ar a gozar a reforma; como admiro o pintor que continua a pintar, não por dinheiro, mas por paixão pela arte de pintar!

Eu próprio, modesto advogado há 50 anos, ainda por cima desiludido com a Justiça, podia viver sem advogar, mas quero manter-me activo e não quero ser o homem mais rico do cemitério!...

Quando foste condecorado pelo Presidente Cavaco Silva - e fui por este convidado para assistir à cerimónia - tive a oportunidade de te dizer na presença dele que aquilo que mais admirava na tua personalidade era o teu amor à família e a paixão que sentias pelo futebol. Esta paixão sente-se em cada momento do jogo e quando falas de futebol e das tuas ambições. O amor à família vê-se por aquilo que é público, e por aquilo que eu próprio vi: estava na Madeira, e no mesmo hotel que tu, quando do falecimento do teu pai. Assisti, pois, a um dos piores momentos da tua vida, como disseste na entrevista, em que atiraste cá para fora o que sentiste e o que sentes, e que alguns não merecem saber, porque só dizem o politicamente correcto, segundo eles.

Obrigado, Ronaldo! Não pelas alegrias que me deste, mas pela tua entrega e paixão àquilo que mais gostas de fazer, por dizeres aquilo que sentes, sem olhar aos momentos dos outros, mas sim aos teus momentos, e com a liberdade de expressão, que alguns querem para si, mas não para os outros.

E não ligues àqueles que nem sequer são ingratos, porque não passam de videirinhos que chupam em qualquer teta e se acomodam a todas as circunstâncias, apoiando e incensando os que vão na subida e logo batem os calcanhares quando acham que estão na descida. São como certos políticos que vivem de joelhos perante os seus chefes e pouco depois de os verem sair do poder já não lhe sabem do rasto e nem se lembram do nome.

E mais, Cristiano: perdoa àqueles que te querem pôr termo à carreira, chegando ao ponto de dizerem que és passado, quando tu és passado, presente e o futuro que lhes dás a audiência que lhes põe o prato na mesa.

Por outro lado, temos de ter alguma compreensão, porque, seguramente, não dormem tranquilos só de pensar na possibilidade de, no futuro, voltares ao Sporting. O problema deles não é o teu passado, nem mesmo o teu presente. O tormento deles é o teu futuro!