Rinocerontes

OPINIÃO13.07.201904:03

Era dia de folga e ao contrário do hábito virei no Cais do Sodré à direita em direção a Alfama, para almoçar, ver Lisboa como se eu não fosse dela parte. Não me abespinham os turistas, não acho que Eça estivesse certo em A cidade e as serras quando escreveu que «os sentimentos mais humanos logo se desumanizam na cidade»; a cidade é também as pessoas, as que estão, as que chegam. Chego até a invejá-los, aos turistas, quando, espantados, se alargam nas passagens da Baixa, ou quando se encolhem nas ruelas dos bairros, e se calhar é por isso que neles me misturo às vezes. Assim fiz.

Ao almoço ouvi a dona do restaurante - um daqueles onde há sempre bacalhau e iscas - atrapalhada na mesa ao lado para explicar em estrangeiro o que era petinga frita. Ao café meti conversa, claro, e ela lamentou-se: os turistas que lhe pedem para guardar bagagens enquanto passeiam, os espanhóis que lhe compram uma dose para dois; o fim daquilo, daquele restaurante, porque o prédio foi vendido e o dono já avisou que a renda custará milhares.

Lisboa e os turistas, hoje, lembram-me aquele lendário espetáculo desportivo da capital, quando D. Manuel ergueu uma arena no Terreiro do Paço para um luta entre um elefante e um rinoceronte que chegara de África, bicho jamais visto na Europa; a luta, desiludindo, nem se realizou, porque o paquiderme assustou-se e fugiu pela cidade acima, levando tudo à frente, coisas e pessoas. Não sei quem é o elefante hoje, se os lisboetas em fuga, se os turistas tudo pisando. Não sei quem é o rinoceronte também, se os lisboetas exóticos que os outros nunca tinham visto antes, se os turistas que chegaram de longe para um combate junto ao Tejo. O que me descansa é a certeza de que Lisboa, ao contrário de nós, já viu de tudo antes.