Que Seleção para o Mundial?

OPINIÃO01.10.202206:35

O futebol mudou, mas os grandes jogadores continuam essenciais para se fazerem as grandes equipas. E nós temos esse trunfo

Amesma Seleção Nacional dividiu-se, inesperadamente, em duas seleções, tão diferentes que quase antagónicas. A equipa que jogou em Praga ganhava também por quatro a zero à equipa que jogou em Braga. E, no entanto, eram, em larga maioria, os mesmos jogadores. A única coisa que mudou, nem sequer foi o discurso externo do treinador, que nos anunciou a promessa de Portugal ser Portugal e, como tal, nunca jogar de maneira diferente consoante o adversário. O  facto, recordado pela Marca, levou o jornal espanhol à deselegância de chamar mentiroso a Fernando Santos, o que é apenas um exemplo da facilidade com que os jornais, mesmo os de culto, se aproximam perigosamente da irresponsabilidade moral radicada nas discussões menores das redes sociais.
Julgo que o problema mais grave da Seleção se fundamenta na questão estrutural da diferença  do pensamento e da ideia que Fernando Santos tem para a equipa nacional, o mesmo pensamento e ideia que estiveram na base do título de campeões da Europa, apesar de uma considerável soma de exibições competentes, mas sem qualquer brilho, e a realidade muito concreta de intérpretes que não estão vocacionados para um futebol de puro sofrimento, porque ganham a vida em grandes clubes do mundo que lhes permite um futebol de puro divertimento, sem que isso ponha em causa as suas responsabilidades coletivas.
Veja-se o jogo com a Espanha. Portugal tem, neste momento, uma equipa formada por jogadores que, em larga maioria, entrariam, de caras, no onze espanhol. Porém, a Espanha foi uma equipa claramente mais forte e Portugal perdeu-se muito antes de ter perdido o jogo.
 

O selecionador nacional, Fernando Santos


É, apenas, uma questão de mentalidade? Também penso que não. Temos jogadores experientes e fortemente estimulados por toda a Europa. O Barcelona deseja ardentemente ter o Bernardo Silva, Itália está apaixonada por Rafael Leão, a quem vê potencialidades para vir a ser um dos melhores do mundo, Bruno Fernandes manda no meio-campo do Manchester United, João Cancelo e Nuno Mendes estão entre os melhores laterais do futebol europeu, Rúben Neves cresceu muito técnica e taticamente, Rúben Dias é um central de topo,  e ainda temos um jovem guarda-redes sóbrio, mas que dá todas garantias. Juntemos a experiência sábia de Pepe e de Cristiano, de William e de Moutinho. Com estes jogadores e mais alguns tem de se saber fazer uma equipa capaz de não apenas dizer, mas acreditar, mesmo, que pode ser candidata ao Mundial. O problema está em saber que equipa teremos no Catar, se a equipa criativa, entusiasmante, frenética, intuitiva e feliz que jogou em Praga, ou a equipa dececionante e depressiva que jogou contra a Espanha, correndo atrás da bola e dos outros, indisfarçavelmente deslocada daquelas circunstâncias, numa espera inglória de que o banco resolvesse o que lá dentro não se via solução
Não falta muito tempo e, como se sabe, o período de preparação da equipa é curto. Julgo sinceramente que a prioridade do selecionador é saber adequar um novo conceito de jogo aos jogadores de que dispõe. Coloca-se a questão do risco de termos uma equipa estruturalmente menos equilibrada no sistema defensivo? Tudo depende de exigência quando a equipa não tiver a bola, altura em que precisa mesmo de defender com onze. Porque já não há no mundo grandes equipas que não ataquem com onze e não defendam com onze. Tal como não há equipas que tenham uma intensidade ofensiva que contraste com uma preocupante passividade defensiva. Quanto ao mais, o futebol mudou em muita coisa, mas os melhores jogadores continuam a ser essenciais para se fazerem as melhores equipas.
 

DENTRO DA ÁREA
Grande jogo no Dragão

Não raras vezes somos tentados a fazer comparações e, com elas, uma discriminação negativa entre a intensidade e a espetacularidade do futebol inglês e a cansativa e enfadonha banalidade do futebol no principal campeonato português. E é por isso que também devemos assinalar os bons exemplos como o de ontem, no Dragão. Grande jogo, enorme entusiasmo e duas equipas totalmente envolvidas num futebol ofensivo e num único desejo de vencer o jogo. Ganhou o FC Porto e bem, mas assinalável e corajosa a atitude do SC Braga.
 

FORA DA ÁREA
Obrigado pelo reconhecimento 

Entre telefonemas, mensagens, emails, contactos diretos foram centenas as manifestações de carinho e de amizade que fui recebendo, depois de ter anunciado o fim de trinta anos como diretor de A BOLA. Não consigo responder a toda a gente, mas não posso deixar de dizer que me sinto reconfortado e agradecido. Sempre achei a gratidão um dos sentimentos mais bonitos e o reconhecimento uma prova de maioridade cívica. Fico feliz, e a todos aqueles que ainda se interrogam sobre a continuidade dos meus textos, eles aqui continuarão.