Que seja pela honra, então!

OPINIÃO05.02.202001:06

1 - Como já aqui escrevi, acredito que o campeonato já está entregue: vai ser o 38.º do Benfica. Por erros nossos e má fortuna, mas, sobretudo e tal com o sucedeu no ano passado, desde que Bruno Lage substituiu Rui Vitória no Benfica, porque não é possível derrotar uma estatística que entra directamente no Guiness: um campeonato inteiro tendo apenas cedido um empate caseiro (contra o Belenenses, no único falhanço desse extraordinário guarda-redes que é Vlachodimos, a quem o Benfica tantos pontos deve e com tanta ingratidão lhe paga) e uma derrota (contra o FC Porto, precisamente). Assim, com muito pesar meu, julgo que qualquer que seja o resultado sábado próximo, saia o Benfica do Dragão com dez, sete ou quatro pontos de avanço, o resultado final será o mesmo. Resta-nos, pois, lutar pela honra de ser a única equipe portuguesa que não se curva, não se atemoriza e não presta vassalagem ao Benfica. Não é pouco, é muito: se eles ganharem o campeonato tendo perdido ambos os jogos contra nós, poderei passar umas tranquilas férias de Verão a ouvir dos benfiquistas toda a espécie de esforçadas explicações para o facto de ganharem todos os outros jogos a todas as outras equipes, menos a nós. Esse gozo, essa consolação, pelo menos, ninguém nos tirará. Só falta, então, ganhar o jogo.

2 - Para tal, espero que Sérgio Conceição tenha visto com olhos de ver o ensaio geral de Setúbal e não invente: Manafá a lateral-direito e Corona a ala, adiantado; Danilo e Marega no banco e Luis Díaz em campo; e Zé Luis pronto a render Soares, se este não tiver bolas para finalizar, pois Soares só sabe finalizar e nada mais.
3Setúbal foi o passeio da ordem. Já lá vão 37 anos sem perder na outrora linda cidade do Sado, destruída pelo poder local. O Vitória, sem ofensa para ambos, é o nosso SC Braga: dali nunca vem ameaça que nos perturbe. Está para o FC Porto como o Braga está para o Benfica, mas apenas no plano desportivo. Porque, no plano dos negócios (e porque as realidades também são distintas), nós não vamos lá buscar, com descontos, Rafas e Pizzis e não compramos, directamente para a reserva, jogadores como Loum ao dobro do preço do que lhes vendemos jóias da coroa, como Galeno.

4 - Por falar nisso, António Salvador, lá tratou de despachar rapidamente a última jóia da coroa revelada em Braga, o muito promissor e jovem Francisco Trincão. Mesmo reconhecendo que seria difícil opor-se à ofensiva do grande Barcelona e aos seus 31 milhões, assim, sem deixar os melhores jogadores aquecerem o lugar, é difícil concretizar o sonho de ser campeão um dia. Não há sol na eira e chuva no nabal. A boa notícia é que, pelo menos, Trincão não foi para o Benfica como eu cheguei a ter como inevitável. Isto é: não vai para já, o futuro logo se vê.
Veja-se o notável e misterioso caso de Dyego Sousa, sobre o qual paira um espesso manto de silêncio em toda a nossa a imprensa desportiva, como se a situação fosse absolutamente natural e transparente. Sensivelmente há um ano atrás, Benfica e FC Porto disputavam Dyego Sousa ao Braga. Consta que o Benfica terá oferecido 12 milhões e o FC Porto terá ido ainda mais além, chegando aos 15. Mas António Salvador mostrou-se irredutível: por menos de 20 (a cláusula de rescisão) não saía. Mas eis que subitamente, no final da época, sai repentinamente para um obscuro clube chinês por anunciados 5,4 milhões, quase um quarto do valor da cláusula de rescisão. O jogador saiu mudo e calado e o presidente do Braga, quando timidamente interrogado sobre as dúvidas que o negócio levantava, respondeu desabridamente, nada esclarecendo. Passam-se seis meses e, tão inesperadamente como saíra, ele aparece...no Benfica, emprestado por um ano e sem cláusula de compra no final, a troco de nada ou de míseros 2 milhões, conforme as versões. E explicações, novamente nada. Tudo natural, tudo transparente. Salvador é ingénuo, os chineses são burros e Vieira é um génio.

5 - A malfadada época de compras e vendas de Janeiro também levou dois grandes jogadores deste já pobre campeonato. O central Tapsoba, do V. Guimarães, que, mal começou a dar nas vistas, foi-se logo embora: outro que escapou ao Benfica. Também não podem chegar a tudo, ocupados como andam a comprar jogadores para emprestar directamente e outros por 20 milhões que só jogarão na próxima época. A minha esperança é que eu já vi este filme acontecer no FC Porto e antevejo-lhes, ou desejo-lhes, um final idêntico: perderem-se por excesso de soberba e de cobiça, por tiques de novo-rico que, mais tarde ou mais cedo, os farão morder o pó.
E lá foi Bruno Fernandes, o melhor jogador do nosso campeonato, senão o melhor jogador português da actualidade. Não sei, duvido, que os sportinguistas, que têm um permanente sentimento de ingratidão para com quem verdadeiramente a merece, tenham chegado a dar-se conta de quanto ficaram a dever a Bruno Fernandes, na sua passagem de três anos pelo Sporting: como jogador, como atleta, como homem, como exemplo. Ao ler o que Augusto Inácio aqui disse sobre ele há tempos, duvido muito. Mas, pessoalmente, também lamento que Bruno Fernandes tenha ido para o Manchester United, que é o clube que eu mais desprezo à face do planeta. Não pelo que foi - o clube de Bobby Charlton, de George Best - mas pelo clube em que se tornou, sob o comando desse tão endeusado Alex Ferguson. Sob o seu comando, o Man United passou a ser um clube que não forma jogadores, apenas compra os que os outros clubes, mais pobres, formam e, não raras vezes, destrói as suas carreiras, não os sabendo aproveitar. Durante anos ou décadas, o United tem funcionado à conta dos milhões dos seus milionários donos americanos, sem nenhum outro mérito que não esse e julgando que esse único mérito do dinheiro lhe bastaria para ganhar tudo. Por isso, numa manifestação de mau perder, muito pouco digna de um Sir inglês, Alex Ferguson, chegou a declarar, despeitado, que o FC Porto deveria comprar os seus títulos em alguma loja, tantos eles eram. Mas, de caminho, ia comprando jogadores ao Porto, na esperança de que eles já viessem com a etiqueta de campeões e isso o dispensasse de ter de perder menos horas nos campos de golfe em troca de passar mais horas nos campos de treino... Não, não esqueci: enquanto não me falhar a memória, também é para isso que cá estou.

6 - E também não esqueci que prometi voltar regularmente a este assunto - agora ainda mais actual, sabendo-se que Rui Pinto não foi apenas o denunciante do Football Leaks mas também do Luanda Leaks. O que é feito das supostas investigações que deveriam ou deverão estar a decorrer sobre as práticas à margem da lei do Benfica por ele denunciadas? Estão, de facto, a decorrer? Se sim, a que departamento da PGR está entregue a investigação? Quantos procuradores estão envolvidos? Que diligências para apuramento da verdade têm sido feitas? Quem já foi ouvido? Que provas foram recolhidas? E quando estará o inquérito concluído? No caso contrário, porque está o inquérito parado? Ou será que nem chegou a ser aberto? Quando prescreverão os eventuais crimes que ele abrangeria?
Lembrando-me eu do que foi a diligência do então PGR no caso Apito Dourado - com comunicados oficiais e declarações públicas e nomeação de uma «task force», um «dream team», como lhe chamaram, com todos os meios ao dispor para investigar o assunto - pergunto-me agora se a senhora Procuradora-Geral não acha que, pelo menos, é devida uma palavrinha de esclarecimento aos portugueses sobre o que se passa? Ou a prisão de Rui Pinto tudo silencia e tudo resolve?