Que perguntas me autorizam fazer?
O quadro atual das conferências de imprensa dos clubes tornou-se perverso, depois da criação dos canais com emblema na lapela
A DMITO que Rui Moreira tenha razão em considerar que a pergunta feita a Mehdi Taremi, e que levou o FC Porto, em peso, a sentir-se ofendido, foi feita fora do contexto, apesar de editorialmente justificável. Até posso entender, embora não concorde, que existam perguntas que feitas de determinada forma e maneira possam ser consideradas agressivas e pouco razoáveis, mas não se pode, nunca, confundir o essencial com o acessório e o essencial é a liberdade de imprensa de um país livre e, consequentemente, a liberdade do jornalista perguntar. Tal como é inquestionável o direito do entrevistado responder, ou não, ao jornalista. O silêncio é, também, importa lembrar, uma forma aceitável de resposta e, por vezes, um sinal eloquente de indignação e até de repúdio.
Rui Moreira, como é, aliás, da sua personalidade e educação, foi exemplar, respondendo, ele próprio com sensibilidade e bom senso, a uma pergunta picante para usar um termo curioso criado recentemente em público por José Mourinho. O presidente da Câmara do Porto driblou a questão sobre a sua eventual candidatura à sucessão de Pinto da Costa com uma daquelas convicções que a política nos ensinou que deixa sempre uma porta mal fechada e, portanto, possível de abrir em momento mais conveniente.
A verdade é que temos andado todos desviados da antiga frontalidade jornalística. Os jornais estão enfraquecidos, as rádios débeis, as televisões assustadas e o resultado, não raras vezes, é o de assistirmos a um jornalismo dócil, tolerante, amigável, colaboracionista com os poderes, que, perante a fraqueza galga e atropela.
Ora o maior interesse público do jornalismo é precisamente o de não deixar o poder - qualquer poder - soltar-se de um sentimento de obrigação de prestação de contas ao país. O jornalista no pleno exercício da sua função não pergunta por curiosidade própria, para poder contar lá em casa o que sabe, mas porque tenta interpretar o interesse do público. Daí que a falta de respeito para com o jornalista que pergunta algo de incómodo seja, na verdade, uma desconsideração para com os leitores de jornais, os ouvintes de rádio, os telespectadores, e, por isso, uma falta de respeito para com o país.
O quadro atual das conferências de imprensa dos clubes de futebol tornou-se perverso, sobretudo depois da criação dos canais com emblema na lapela. Todos nós estaremos lembrados de episódios inaceitáveis de controlo de informação, quando assistimos a assessores que, nos seus tempos de jornalistas foram apenas medíocres, a mandar calar quem pergunta e, não raras vezes, quem responde, infantilizando o futebolista, ou, como eles gostam de dizer, o ativo do clube.
Em toda a minha vida de jornalista sempre lidei com gente digna e gente apenas bajuladora de quem lhe paga. De um lado e de outro, pessoas com sentido de honra e gente sem espinha dorsal. Não é, pois, um problema dos novos tempos. O que se passa, agora, é que o cenário mudou e a crise económica e de credibilidade dos media tornou os jornalistas mais vulneráveis e, por isso, os que se autocondicionam na sua missão profissional mais numerosos e visíveis. Daí que a exceção seja o jornalismo de coragem. Esse vai sendo mais escasso e desempregado.
É preciso travar a perigosa tendência da moda do pé de microfone. Do jornalista que aparece apenas para dar a palavra e nada contrapor. Se a escalada do poder de comunicação dos clubes continuar a aumentar, qualquer dia, antes de uma conferência de imprensa, os jornalistas em serviço irão receber uma lista, provavelmente curta, com as perguntas que estarão autorizados a fazer.
DENTRO DA ÁREA
Uma história de dificuldades
Portugal joga hoje com a Chéquia herdeira por via administrativa e marketing político da velha e histórica República Checa. Nunca foi, para nós, um jogo fácil. No dia 25 de Abril, mas de 1965, José Pereira, o guarda redes do Belenenses, defendeu um penálti decisivo que qualificaria Portugal para o Mundial de 66. Trinta anos depois Portugal era afastado do Europeu de 96 por um chapéu de Poborsky. Agora, outros tempos e até outros estatutos. Portugal entra sempre em campo mais perto de ganhar, mas vai ter de suar para o conseguir.
FORA DA ÁREA
E tudo voltou ao início da pista
Não devo ter percebido bem, e a culpa, admito, será minha, mas fiquei com a ideia de que a entrada oficial do novo PSD na decisão do novo aeroporto trouxe o caso já tão velhinho de cinquenta anos, para o início da pista. A decisão é voltarmos a estudar o local e o impacto ambiental. Ou seja, voltarmos a estudar tudo o que já estudámos num raio de cem quilómetros em redor de Lisboa. Alguma coisa terá mudado entretanto? Julgo que não, mas pode mudar no futuro. Até à decisão final pode ser que os aviões se tornem obsoletos e dispensáveis.