Que eu nunca veja esse dia
Até os melhores treinadores se enganam. Os melhores treinadores, os melhores médicos, os melhores gestores e coloque o caríssimo leitor os eteceteras que melhor lhe aprouver.
Em Alvalade, o melhor treinador português em atividade também se enganou. Não, num primeiro momento, na constituição da equipa ou no plano de jogo. Como qualquer conhecedor do futebol português, da sua história e das suas instituições mais importantes pensou que um clube como o Sporting jogaria para ganhar. Não lhe passou pela cabeça que um grande como o clube de Alvalade, estando a oito pontos do primeiro classificado, não entrasse em campo para ganhar. No fundo, recusou-se a acreditar que o Sporting assumisse a sua não candidatura ao título e que demonstrasse uma total falta de ambição. Mas foi isso que aconteceu.
Eu que já aqui escrevi que o Sporting é um clube gigante mas não um verdadeiro grande no futebol (nos últimos quarenta anos isso é evidente) teria cometido o mesmo erro. É que sendo esta a minha opinião, nunca tinha assistido à expressão futebolística disso de forma tão clara.
Dir-me-ão que foi isso que permitiu ao Sporting empatar o jogo. É verdade. Ou seja, Keizer olhou para as duas equipas e achou que a possibilidade de ganhar o jogo era escassa e traçou um plano semelhante ao de um qualquer clube pequeno: fechadinhos cá atrás e pode ser que se marque um golito. Foi, ouvi por aí, pragmático (um treinador português que tivesse feito o que o holandês fez teria sido crucificado pela massa associativa sportinguista). Só que um clube com a dimensão do Sporting não se pode dar ao luxo de se satisfazer com um empate em casa quando está a oito pontos do primeiro, não pode deixar de jogar para ganhar, ainda para mais no seu campo. Pode perder um jogo, mas não pode perder o estatuto, e esse só se mantém se se mostrar que, independentemente de quem entra em campo com as nossas cores, se joga sempre para ganhar, sejam quais forem as circunstâncias. É, no fundo, isso que faz um grande. Um grande é muito mais do que vitórias e derrotas, é uma atitude, um sentir de que se pode sempre ir mais longe, é a visão de que as camisolas contam mais do que quem as veste.
O ano passado, o FC Porto foi goleado em casa pelo Liverpool. Não o teria sido se fizesse um joguinho medroso, se recuasse muito as linhas, se não atacasse desde o primeiro minuto. Talvez tivesse sorte, uma bola parada, um contra-ataque milagroso. Pois o meu clube encaixou cinco mas saiu sob uma enorme salva de palmas dos adeptos. Não, não foi para incentivar os jogadores para o campeonato, foi sim por nós adeptos termos sentido que aqueles rapazes fizeram tudo para ganhar, que eles sabiam o que é jogar com a camisola do FC Porto. Perdeu-se o jogo, mas não se perdeu o orgulho; fomos goleados, mas a nossa honra e o nosso estatuto saíram reforçados.
Sei bem qual seria a reação dos adeptos do FC Porto se a nossa equipa tivesse jogado no Dragão, a oito pontos e a precisar de ganhar o jogo, como o Sporting jogou em Lisboa.
Ao sair de Alvalade, irritadíssimo pelo brasão abençoado não ter ganho o jogo e por ter feito uma fraca exibição, algo me aliviou o desgosto: pensei que o meu FC Porto nunca se menorizará, nunca deixará de jogar como um grande, nunca se apresentará perante os seus sócios num jogo que tem de ganhar para não perder. E se isso acontecer que eu já não esteja cá para ver.
Erros e mais erros
O Sérgio Conceição montou a sua equipa para um jogo entre grandes, mas o jogo, como atrás escrevo, foi outra coisa.
Talvez quando se apercebeu que não ia ser esse o embate devesse ter mudado mais cedo a abordagem ao jogo. A nossa armada dianteira não tinha espaço de tão encostada estava a defesa sportinguista à sua área; os corredores laterais estavam fechados de tão recolhidos os laterais e os alas dos de Alvalade estavam. Restava o jogo interior, mas nem as constantes vindas do Brahimi ao meio conseguiam desequilibrar pelo meio. Sim, talvez o Óliver ou outro homem com capacidade para fazer jogo interior devesse ter entrado mais cedo; é possível que se a mudança para um 4-3-3 tivesse sido posto em prática logo a meio da primeira parte, quando era evidente que o plano inicial não ia resultar, a história tivesse sido outra. Aliás, o melhor período no jogo do brasão abençoado foi quando assim jogou.
Isto é especular, porém. Factos foram os demasiados erros dos nossos jogadores na altura de decidir, os passes óbvios que não foram feitos, as tabelas desrespeitadas, as correrias de cabeça em baixo, os chutões sem nexo para a frente. Digamos que em termos individuais também foi um jogo que não correu bem a muitos jogadores.
O que já nada tem que ver com especulação foi a interferência do árbitro no normal decorrer do encontro. Melhor dito, Hugo Miguel viu a falta do Bruno Fernandes e marcou-a, sabe que não há a mínima dúvida de que a lei diz que tinha de mostrar cartão amarelo - o que daria a expulsão do homem que se protestasse menos talvez fosse ainda melhor jogador do que já é - naquele lance e não o fez. Bem sei que a tradição manda que o FC Porto seja sempre prejudicado quando joga em Alvalade, mas, por amor de Deus, aquilo foi de bradar aos céus. Tivessem sido cumpridas as leis do jogo e o Sporting teria jogado meia parte com apenas dez jogadores - e já nem falo dos protestos do Jefferson que noutro jogo qualquer teria dado expulsão. O FC Porto teria ganho? Ninguém sabe, mas que teria uma grande vantagem ninguém duvidará.
O nosso treinador não arrancou os cabelos, os dirigentes não arrancaram as vestes e não apareceu nenhum adepto do FC Porto com presença nos vários programas a pedir uma revolução por causa deste incompreensível erro. Imagine-se agora se fosse ao contrário? A realidade é que o lance foi visto e analisado como se nada de especial tivesse acontecido. Uma coisa como um erro na marcação de um fora ou de um canto. Tudo normal.
Passados três dias, tivemos uma nova dose de erros graves. Contra o Leixões não foi marcado um penálti por mão evidente e foi-nos invalidado um golo que ainda hoje estou para perceber como é que o juiz de linha foi capaz de descortinar o fora de jogo do Soares.
Aproximadamente à mesma hora do Leixões-FC Porto jogava-se o Vitória de Guimarães - Benfica. No último lance da primeira parte, Jardel faz um penálti, dos que não deixam dúvidas. Nada foi assinalado. O Benfica ganhou o jogo tendo marcado um golo na única oportunidade que teve. Tudo normal.