Que desporto deve fazer o meu filho?

OPINIÃO14.08.202107:00

Para muitos, mesmo em matéria de desporto, o médico é mais credível do que o professor de educação física. Uma ingénua ignorância...

NÃO é invulgar ouvirmos um amigo ou até um familiar dizer-nos, com uma satisfação de dever cumprido: «Levei o meu filho ao médico, nada de complicado, apenas rotina, felizmente estava tudo bem e eu aproveitei para perguntar ao doutor que desporto devia o meu filho fazer.»
As conclusões são inquietantes. A maioria dos médicos, mesmo que pediatras, parecem seguros em aconselhamentos sobre áreas que não dominam. Se fosse um assunto clínico, de outra especialidade que não a sua, nunca se atreveriam a não indicar um colega especialista nessa área, mas tratando-se de desporto, não apenas opinam, como aconselham num invulgar atrevimento sem qualquer base técnica de conhecimento. Há quem aconselhe pilates, quem ache melhor a natação, porque é sempre bom aprender a nadar, quem opte pelo ioga, quem indique a legendária ginástica, desde que não exagere na dose, porque «o desporto de competição já não é desporto e faz mal à saúde».

A questão é preocupante, porque não tem, sequer, uma natureza excecional. A ideia de que a prática desportiva está exclusivamente ligada à saúde relaciona-a diretamente com o universo clínico e, por isso, o médico é mais credível do que o professor de educação física, aliás, ainda tantas vezes designado pelo mal tolerado professor de ginástica, aquele que insiste em dar aulas, roubando tempo de estudo para as disciplinas que «verdadeiramente interessam».
Poucos darão devida conta da ignorância em que ingenuamente incorrem, o que se torna ainda mais preocupante, tanto mais que não estamos a falar de uma faixa menos esclarecida da população, mas de gente instruída, com estudos académicos, com estatutos sociais e profissionais reconhecidos.
O problema passa ao lado das questões de estado e muito mais das futilidades próprias das conversas nas redes sociais.
 

 


Quando se fala de profissionais de desporto, pensa-se em Messi e em Cristiano Ronaldo, que se tornaram fulgurantemente ricos por saberem dar uns pontapés numa bola. Não se pensa no conjunto de técnicos pluridisciplinares que se especializam em diversas áreas das ciências humanas, que as estudam, investigam e sabem do que falam com conhecimento técnico e científico. Há quem projete o seu conhecimento na área do treino de competição, quem ajude a fabricar campeões - coisa que não se consegue apenas treinando o corpo - há quem se envolva em áreas de intervenção e de estudo essenciais ao crescimento inteiro dos cidadãos, desde as idades mais jovens, sendo um exemplo assinalável o trabalho e a obra de homens como o professor Carlos Neto, cuja intervenção pública tem sido de grande importância para o desenvolvimento da população portuguesa mais jovem neste tempo de pandemia, em que o sedentarismo se tornou ainda mais grave.

Após os recentes Jogos Olímpicos, ressurgiu (por pouco tempo, como sempre) a discussão sobre a (falta de) cultura desportiva dos portugueses, mas importa ter a noção de que se trata, no fundo, de uma falta de cultura de base, que, por sinal, também envolve a área desportiva. Tem como agravante a desvalorização do profissional da chamada educação física e do universo do desporto que encerra uma dimensão e complexidade desconhecida deste novo mundo pós-moderno.
Não desvalorizemos, porém, a pergunta inicial: «Que desporto deve praticar o meu filho?»
A pergunte deverá ser feita a um especialista. Tem a ver com as circunstâncias, o lugar, a personalidade do jovem, o seu crescimento inteiro, como ser humano. É um assunto importante de mais para ser respondida por quem não sabe.
 

VOLTA ABERTA SEM VOLTA A DAR

A Volta a Portugal é o maior acontecimento nacional de ciclismo. Já foi um dos maiores acontecimentos nacionais de desporto, mas por razões diversas, algumas pouco recomendáveis, tornou-se numa prova que não mantém muito mais do que o simbolismo do passado. Daí o pouco entusiasmo do público que, no entanto, deverá reaparecer na histórica etapa de hoje da Senhora da Graça.
Hoje e amanhã decide-se a Volta. Como se esperava, uma Volta aberta, porque não há volta a dar quanto à ausência de campeões indiscutíveis.
 

A IGNORÂNCIA ATREVIDA

Interessante, a entrevista de José Pacheco Pereira, no último número da revista Visão. Um historiador e analista político que mantém um pensamento próprio e uma agenda invulgar, em que se afasta dos lugares-comuns, das análises politicamente corretas e que nos alerta para o atrevimento da ignorância a que se assiste, de forma exemplar, em muitos debates televisivos, onde continua a haver gente que fala sobre tudo o que sabe e o que não sabe com a mesma prosápia de quem pouco arrisca ser visto numa terra de cegos.