Quanto vale a estabilidade?
Ouvir Fernando Santos falar no problema dos três centrais dos adversários é mais um sinal de que o caminho até ao Catar será difícil
A que se deve esperar de uma Seleção? Em primeiro lugar, que vença. Há muitas formas de lá chegar e Fernando Santos encontrou uma para ganhar um Campeonato da Europa, em 2016, não muito diferente do que fez, por exemplo, Didier Deschamps no Mundial-2018 (e com o mesmo êxito): conservador no estilo, pragmático na ação. Um futebol reativo, por vezes cínico, mas eficaz. E quando a bola entra mais vezes na baliza do adversário do que na própria o estilo deixa de ser uma escolha e torna-se uma crença.
Esse foi o segredo da épica e inédita conquista de Paris. Ainda hoje recordo, sorrindo, a primeira vez que ouvi os jogadores cantarem o famoso refrão Pouco importa, pouco importa/Se jogamos bem ou mal/Queremos é levar a taça/Para o nosso Portugal. Foi na zona mista do Stade de France. Vinham em comboio, serpenteando as baias, numa profunda alegria. Tudo aquilo fazia sentido. Porque também eles acreditaram durante aquele mês que só assim conseguiriam vencer, aceitando serem personagens de uma história que envolvia um certo misticismo alimentado pelo ato de fé de Fernando Santos, que durante muito tempo foi visto como o dono do oráculo.
Veio depois o Mundial-2018 e uma saída pouco airosa, mas esbatida com a conquista da Liga das Nações, no Porto, e o Euro-2020 (jogado em 2021), este sim o momento de transição: foi durante o Europeu que Portugal perdeu a aura vencedora, sem compensar essa estrelinha com um acréscimo de qualidade. Quer o Campeonato da Europa quer a qualificação para o Mundial do Catar confirmaram o que muitos temiam: Portugal foi incapaz de evoluir, ficando preso a uma ideia que poderia justificar-se em 2015, mas nunca em 2021. Transportando para a linguagem do ciclismo, há seis anos Portugal tinha um trepador de elite (Ronaldo) e uma série de enormes gregários; hoje, por sua vez, há muitos candidatos à camisola amarela, mas a equipa rola mal. Na qualidade e prestígio internacional, Bernardo Silva não é João Mário, Bruno Fernandes não é André Gomes, Rúben Dias não é José Fonte, muito menos João Cancelo é Cédric Soares. Portugal tem, indiscutivelmente, uma grande equipa e se não joga bem é porque Fernando Santos não conseguiu, até agora, juntar todo este talento e transformá-lo em bom futebol. E a questão do momento é esta: conseguirá?
Fernando Gomes acreditará que sim, pelo que foi possível perceber na entrevista que o selecionador deu ontem à TVI. Mas estará também o presidente da Federação Portuguesa de Futebol obrigado a acreditar, porque, por muito criticado (e justamente criticado) que esteja a ser Fernando Santos, a estabilidade é um valor que ainda se sobrepõe a qualquer terapia de choque, ainda mais no contexto de Seleção, menos tribal que o dos clubes (e por isso mesmo o tema cairá quase no esquecimento mal regressem as competições internas e europeias).
Bem ou mal, a Seleção terá de encontrar o caminho do Catar com Fernando Santos. Corre obviamente um risco porque os sinais não são bons. Ouvir, como ouvimos ontem na referida entrevista à TVI, o técnico nacional dar como justificação para as más exibições o facto de a Seleção não se dar bem com adversários que defendem com três defesas centrais é, no mínimo, desolador.
Resta aos portugueses esperarem que a anunciada melhoria para março, de maneira a melhor «aproveitar o talento» de tantos craques, seja muito mais que uma profecia.