Quando os vencedores choram
1 - Frederico Varandas tem sido um grande presidente do Sporting. Não gostei de o ver reclamar um árbitro com coragem para a final da Taça, porque não havia nada que o justificasse e porque isso me soou a pressão deslocada. Mas, tirando isso, sempre achei que, ele sim, teve a coragem de pegar no Sporting num momento terrível e ir em frente, numa postura de ruptura e dignidade com a absoluta bandalheira a que Bruno de Carvalho tinha feito descer o Sporting - só comparável àquilo a que Vale e Azevedo fez descer o Benfica. E hoje ainda, não consigo compreender como é que pessoas como Daniel Sampaio ou Eduardo Barroso (que tanto se incomodou quando eu escrevi isto) o não compreenderam. Ou como é que, vendo o Sporting a festejar um dos títulos europeus no pavilhão de Alvalade, que jamais Bruno de Carvalho conseguiu festejar, ainda houve adeptos do Sporting que conseguiram virar-se contra Frederico Varandas. A ingratidão é absurda, a estupidez é criminosa.
2 - Vendo Frederico Varandas chorar depois do Sporting conquistar, por assim dizer, a Taça de Portugal ao Porto, dois sentimentos de compreensão me invadiram: um, de solidariedade com ele, mesmo não sendo sportinguista, mas por sentir quanto ele deve ter sentido a sua tremenda luta, interna e externa, recompensada; outra, porque, no lugar dele, também eu me ajoelharia e agradeceria a todas as Virgens de devoção uma vitória sem ponta de mérito. Dois dias passados, em frente aos Paços do Concelho de Lisboa, os sportinguistas festejavam ainda: não uma vitória, nem um troféu, mas um simples penálti. O Sporting Clube de Penálti (SCP) festejava o seu terceiro título consecutivo ganho no desempate a penáltis, e todos injustamente. Contra o FC Porto, foi o quarto jogo a eliminar consecutivo ganho desta forma. E a forma não foi apenas a de triunfar nos penáltis, mas a de passar todos esses jogos apenas a jogar para os penáltis, remetido a uma defesa sem pudor nem disfarce, não ousando qualquer tentativa de os ganhar de outra forma. Na final de domingo conseguiu marcar dois golos fortuitos, graças a dois ressaltos em jogadores portistas e o resto dos 120 minutos passou-o a defender - heroicamente, é certo - mas apenas a defender a sorte do jogo e a suspirar pelo fim do tempo de jogo e a entrada na sua zona de conforto das grandes penalidades. Um só número, relativo à estatística da segunda parte do jogo, diz tudo: 16 remates do FC Porto à baliza (dois dos quais nos postes) contra 1 do Sporting; 8 cantos do FC Porto contra 0 do Sporting. Foram 45 minutos de massacre continuado e prosseguido de forma mais atenuada durante o prolongamento, com os jogadores leoninos prostrados, física e animicamente, vivendo já só à custa dos esforços heróicos de Mathieu, e perante o silêncio sepulcral da bancada dos seus adeptos, assistindo, consternados, àquilo que, mais do que uma tareia, estava a ser uma humilhação. Mas no final festejaram como se tivessem merecido vencer o que quer que fosse. Porque não está escrito em lado algum que o futebol tenha de ser justo, o que ficou deste jogo foi o resultado final de 2-2 e 5-4 em penáltis.
Não sei se feliz ou infelizmente, a verdade, porém, é que os adeptos sportinguistas conseguiram festejar aquilo como uma grande vitória e nem um dos intervenientes teve o pudor de reconhecer a sorte havida. Enfim, cada um festeja o que pode e quando se festeja tanto uma tão pífia e imerecida vitória é sinal de que se sabe que aquilo é o melhor a que se pode aspirar. Mas tivessem eles um mínimo de reconhecimento do que lhes aconteceu, não teriam ido festejar para a Praça do Município mas sim para a Cova da Iria.
3 - Não me consola nada ter previsto aqui a tragédia grega em que a final da Taça se iria traduzir para o FC Porto. Devo, porém, reconhecer que desta vez a equipa e os jogadores tudo fizeram para evitar a maldição dos penáltis. Tudo fizeram. E nem ligo importância ao penálti ou penáltis que, segundo os especialistas, ficaram por marcar a nosso favor, porque isso também faz parte da tragédia habitual. Mas o facto é que perdemos as decisões todas desta época e isso deve fazer pensar.
Sérgio Conceição fez bem em não dar a baliza a Fabiano, tal como eu havia suplicado. De resto, fez tudo mal. Brahimi e Danilo, que ele manteve em campo os 120 minutos, não estavam, de há muito, em condições de ser titulares. Danilo foi três vezes decisivo no primeiro golo do Sporting: primeiro, aliviando a bola para a frente; depois deixando Bruno Fernandes sozinho na zona de remate, preferindo refugiar-se entre os centrais; finalmente, falhando o corte e desviando a bola do alcance de Vaná. Para além disso, ele e Brahimi (que deixou de ter qualquer utilidade desde que passou a jogar para si próprio em busca de um contrato) foram dois elementos sempre fora do jogo e fora de posição. A saída de Alex Telles e Marega tirou do jogo apenas os dois mais perigosos jogadores portistas e, se Marega estava exausto, Mathieu ainda estava mais, e eu prefiro um Marege exausto que um Fernando Andrade em plena pujança…para fazer faltas estúpidas e estragar qualquer jogada de ataque. Retardou a entrada em jogo de Hernâni tanto quanto pôde, fiel à sua incompreensível embirração, e ao contrário da paixão inexplicável que nutre pelo tal Fernando Andrade, seguramente dos piores jogadores que eu já vi vestir de azul e branco. E a quem ainda confiou a glória de falhar (que outra coisa seria de esperar?) o penálti decisivo. Aliás, não obstante tantos dissabores na matéria, Sérgio Conceição mostrou que ainda não foi desta que conseguiu apresentar cinco jogadores capazes de cobrar um penálti como deve ser (o de Danilo, que até entrou, foi disso exemplo flagrante).
Para acabar em beleza, Sérgio Conceição tinha ainda de protagonizar aquela triste cena de se recusar a cumprimentar o presidente do Sporting, sujeitando-se a levar dele a resposta merecida: «É tudo uma questão de formação e de educação.» E, de facto, assim parece. O treinador do FC Porto confunde o não gostar de perder (que é uma qualidade) com o não saber perder (que é uma falta de educação). E esquece-se que, naquelas funções, ele não se representa apenas a si mesmo, mas à equipa, ao clube e a todos os seus adeptos. Já estávamos suficientemente tristes e desiludidos pelo desfecho do jogo e da época, não precisávamos ainda de nos sentirmos envergonhados por ele. Está a precisar de fazer uma profunda reflexão durante as férias. Talvez devesse passar uns dias com os seus colegas treinadores do andebol e do hóquei portista, que deram mostras de uma estabilidade emocional a que certamente não será alheia a conquista dos títulos nacionais obtidos.
4 - E agora é tempo de lamber as feridas e de ficar sentado a assistir ao anunciado desmantelamento de toda uma equipa. A bem do fair play financeiro e não só.