Quando os juízes não têm... juízo

OPINIÃO12.10.201904:00

UMA decisão de juízes do tribunal da Relação de Lisboa causou perplexidade: o caso é simples. Durante um jogo de futebol, um delegado insultou um treinador. Começou por lhe traçar como destino o mais explícito objeto fálico do corpo humano e ainda afirmou que o senhor a quem se dirigia não devia ter especial orgulho no comportamento mundano de sua mãe. O treinador sentiu-se ofendido e levou o caso a tribunal. O assunto chegou à Relação, que decidiu pela inexistência de qualquer ofensa. E apontou como razões o facto de «comportamentos reveladores de baixeza moral» serem tolerados no mundo do futebol e daquelas expressões, ditas no contexto do mundo do futebol, não se poderem considerar mais do que «a verbalização de palavras obscenas, sendo absolutamente incapazes de pôr em causa o caráter, o bom nome ou a reputação do visado». Já no que respeita ao caráter, ao bom nome e à reputação da mãe do visado, os juízes, aos costumes, disseram nada.

NÃO é a primeira vez que os tribunais decidem em função de uma curiosa excecionalidade do mundo do futebol. Para alguns juízes, é um mundo à parte, onde, por exemplo, se podem consentir ofensas e todo o tipo de violência verbal. Não se sabe, mesmo, se consentem e toleram a prática de certas agressões. Ora, o que eu penso é que esses senhores juízes não estão no seu juízo perfeito. Pela mesma lógica, não terão qualquer argumento válido para criminalizar, por exemplo, a prática de apropriação indevida de valores, por parte de dirigentes de clubes, nas transferências de jogadores; ou, mesmo, a viciação de apostas desportivas. É o mundo do futebol, o mundo à parte, que consente a despenalização do que, fora do futebol, é penalizado e, por isso, um mundo de exceção consentida, com regras próprias, com leis especiais, com julgamentos à parte. Para já não falarmos do excelente contributo que estes juízes deram ao trabalho que muitos organismos e entidades desportivas têm vindo a desenvolver na defesa da ética e no exemplo que o desporto com ética e com valores pode trazer à mais sólida formação cultural e social dos jovens portugueses.

ASSEMBLEIA do Sporting. Infelizmente sem surpresa, num ambiente hostil e tumultuoso, sem qualquer qualidade democrática. Não se percebe como, depois de tudo o que se passou, Frederico Varandas veio dizer que o Sporting, como grande clube, com mais de noventa mil sócios pagantes, continuará a ter decisões democráticas. Que decisões? Que democracia? Dos noventa mil pagantes, apenas pouco mais de mil decidiram, em nome de todos, um instrumento fundamental para a continuidade do exercício da Direção e desses pouco mais de mil, a maioria dos votantes manifestou-se contra Frederico Varandas e seus pares. Quanto ao resto da democracia que ainda poderia sobrar, tornou-se mais significativa quando Sousa Cintra foi impedido de exercer o seu legítimo direito de se expressar, num momento de suprema ingratidão e que se tornou numa mancha na história do Sporting, sem, apesar disso, ter aparentemente causado especial transtorno à atual gestão. E, já agora, é bom que o presidente perceba que, ao contrário do que disse, e em função do que se passou na assembleia, a pergunta daquele jornalista que, contra a tentação do seu próprio conforto, questionou sobre se Varandas pensa demitir-se, não é nada ridícula. Pelo contrário, a pergunta é muito pertinente. A resposta é que é insuficiente e menor.