Por vezes, o que é importante; outras vezes...
1 A maldição inglesa do FC Porto não tem fim: suspiro por um Brexit dos clubes ingleses que ponha fim a este eterno castigo, pois que não vejo outra maneira de o conseguir. Mas com os planos dos gigantes europeus para tornar a luta cada vez mais desigual, o futuro não se afigura em nada diferente. Ontem à noite em Anfield, a lei do mais forte voltou a funcionar. Sem apelo nem agravo: primeiro remate, primeiro golo. Com sorte, é verdade, mas já sabemos que, nestas ocasiões, até a sorte está sempre do lado dos mais fortes. A única coisa que não percebo é porque leva Sérgio Conceição três defesas da equipa B para Inglaterra quando depois continua a insistir na aposta de impossível êxito chamada Maxi Pereira - que, na prática, equivaleu a ter de sacrificar Corona na dupla função de segundo lateral-direito e médio ofensivo. De resto, registo para um Danilo muito aquém do necessário num meio-campo sem contenção para as segundas bolas, com o correspondente sacrifício de Marega e Soares, obrigados a tudo fazer, à frente e atrás. Mas houve momentos de futebol, de competitividade e de dignidade portista que, com algum discernimento da parte de Marega na hora da finalização, poderiam ter ditado melhor sorte. Agora, é sonhar durante mais uma semana e tentar amortecer o desgaste destes dois jogos verdadeiramente a doer, esperando que a factura fique apenas pelo fim do sonho da Champions. Nesse aspecto, o resultado que o FC Porto trouxe de Anfield talvez tenha sido o pior de todos: obriga-o a continuar na luta sem poupar forças, mas sabendo que as hipóteses são praticamente nulas.
2 Desta vez, e como seria de esperar, o habitual comunicado do Benfica a seguir aos jogos não se atirou à arbitragem do seu jogo em Santa Maria da Feira nem à do jogo do FC Porto com o Boavista: não tinha nada de que se queixar, antes pelo contrário. A narrativa do Porto-VAR tinha sido interrompida pela do Benfica-VAR, bem à vista de todos menos dos próprios, pois claro. Porém, tendo de dizer alguma coisa e confrontado com o indignado comunicado do Feirense, o Benfica não se lembrou de nada melhor do que vir queixar-se de que o Feirense... tinha corrido muito! Compreende-se a insinuação, mas ela foi duplamente infeliz. Primeiro, porque o Feirense também tinha corrido muito e dificultado bem a vida ao FC Porto, que ali havia ganho por um mais apertado 2-1, apenas três jornadas antes. E depois, porque uma equipa que quer ser campeã e que passa a vida a encher a boca com a «verdade desportiva» queixar-se de o adversário não lhe facilitar a vida, fica-lhe mal, muito mal. A verdade é que nenhum adversário facilita a vida e nem é preciso que ainda tenha alguma coisa a defender: veja-se o Boavista, com uma posição mais ou menos tranquila na tabela e que foi ao Dragão para jogar sempre atrás com cinco defesas, num jogo inteiro fazendo um único remate à baliza do FC Porto.
3 Nunca fui um grande adepto do VAR e continuo para ser convencido de que são mais as vantagens do que as desvantagens da sua entrada em cena. São evidentes as vantagens quando ele entra em cena para corrigir ou decidir em situações de facto; já não são nada evidentes quando se trata de situações de interpretação, de opinião. Aqui, neste último caso, acho que o VAR não devia intervir: porque é mais fiável a interpretação do árbitro que está em cima da jogada do que daquele que está em cima do ecrã; e porque, com o critério com que os VAR têm sido escolhidos, são os piores árbitros que estão nessas funções e os melhores que estão em campo e, assim sendo, parece-me absurdo que prevaleça a opinião do pior. É situação de facto constatar que Marega estava em off-side quando festejou um segundo golo do Porto contra o Boavista, que o VAR anulou e bem. Era situação de opinião constatar que houve penálti a favor do Benfica na jornada anterior, contra o Tondela, que o árbitro não entendeu ser e não cabia ao VAR contrariar. Aqui, mesmo sendo a decisão final errada, é a única regra sustentável.
4 O que não é sustentável, seja a que título for, é nomear Bruno Paixão para VAR de um jogo do Benfica. Para VAR ou para árbitro. E de um jogo do Benfica ou do Porto. Nem sequer me vou pronunciar sobre os casos do Feirense-Benfica, tão evidentes eles me pareceram e tão evidente foi a divisão de opiniões entre benfiquistas e seus advogados, de um lado, e todos os outros, do outro. Apenas direi duas coisas: que foi uma arbitragem com influência determinante no resultado do jogo, ninguém podendo garantir se o desfecho pontual seria o mesmo com outras decisões. E que, depois de ler que o Conselho de Arbitragem só iria nomear os melhores árbitros para os jogos que faltam para decidir o título, não seria de esperar que se abrisse uma excepção na nomeação dos VAR. A escolha de Bruno Paixão - que há 19 anos que adia o seu afastamento da arbitragem - para VAR de um jogo do Benfica não é um descuido, é uma provocação.
5 No rescaldo do jogo da Taça com o Porto, o SC Braga resolveu tentar provar que um off-side que anulara o que seria um golo do Braga fora mal tirado - ao contrário do que revelava, sem qualquer dúvida, a imagem do avançado bracarense para além da linha virtual do fora-de-jogo, corpo e pé que chutava a bola. Para tal, o SC Braga sustentou que a Sport TV escolhera deliberadamente uma imagem recolhida a partir de uma câmara que falseava o ângulo de filmagem, fornecendo em alternativa uma outra imagem, supostamente recolhida a partir de outra câmara, onde o mesmo jogador já não estava em off-side. A ser verdade, estaríamos no domínio da teoria dos «factos alternativos», celebrizada pela assessora presidencial de Donald Trump, Kellyanne Connway, e também inventada justamente a propósito da geometria - que assim deixaria de ser uma ciência exacta. Ora, perguntei-me eu, que não acredito na teoria da verdade alternativa: será possível que uma câmara mostre um jogador em off-side e outra não? Não, claro que não é possível. Olhada com atenção, a imagem da câmara alternativa mostrada pelo SC Braga revela, pura e simplesmente, que foi tirada em momento anterior: num momento em que o passe ainda não foi executado e o jogador que o vai receber ainda não está em off-side. Espertos!
6 De um lado, estava um clube de milionários, a fazer fé no que nos garantem todos os dias: o Rúben Dias, um central banal, vale 120 milhões; o seu suplente, Ferro, vale 80; um tal de Florentino, que terá feito nem meia dúzia de jogos, uns 100 milhões; mais um Jota, que não vale menos de 60; e João Félix, claro, que nunca sairá por menos de 150. Ali, basta ter o nome do Benfica nas camisolas e é só pepitas de ouro. Mas do outro lado estava um rapaz chamado Bruno Fernandes, que acontece ser o melhor jogador em acção no campeonato português e, se tal não for crime de lesa-majestade, talvez mesmo o melhor jogador português da actualidade. E foi quanto bastou para que, em mais um momento de pura magia e futebol de verdade e não de propaganda, ele sozinho meteu ao bolso alguns 500 milhões e levou o Sporting ao Jamor. Valeu a pena ver.