Perdoa-me

OPINIÃO01.07.202107:05

A reaproximação de Pinto da Costa a Vieira na Mealhada seria uma ótima notícia para o futuro se não conhecêssemos o passado

A recente reaproximação de Pinto da Costa com Luís Filipe Vieira seria uma excelente notícia para o futuro do futebol português. Afinal, estamos a falar dos presidentes dos dois clubes que venceram mais títulos em Portugal e uma convergência de posições sobre questões mais estruturantes é preferível ao clima de ódio visceral que ultrapassa, e muito, não só apenas a rivalidade como a própria decência. Mas quando uso o condicional é porque sei, como todos os que acompanham minimamente o futebol português mais de perto, que tudo isto é circunstancial e efémero; que ao mínimo erro de arbitragem a favor dos azuis ou dos vermelhos lá cairá outra vez o Carmo e a Trindade e todas as acusações, ataques pessoais e tropelias coletivas agora abafadas com leitão voltarão a marcar a agenda - mas pelo menos durante uns tempos os profissionais de propaganda terão de andar mais caladinhos porque os chefes assim o mandam.
O problema não está, de facto, no presente, antes no passado. Pinto da Costa e Luís Filipe Vieira nunca conseguirão convencer ninguém de que, a bem do futebol português, é fundamental para os próximos tempos os grandes clubes estarem alinhados. Com todo o respeito, tudo isso é uma enorme treta porque o que a história nos mostra é algo tão simples quanto isto: as relações institucionais de Pinto da Costa (e consequentemente o FC Porto) com os dois grandes rivais de Lisboa foram sempre alterando consoante quem ganhava e perdia. O líder dos dragões sempre foi mestre na diplomacia e soube sempre que nunca poderia estar mal com Sporting e Benfica ao mesmo tempo. Inteligente, astuto e dono de uma extraordinária leitura dos acontecimentos, sempre percebeu para onde soprava o vento. O recente almoço na Mealhada foi apenas a repetição de tantos outros fartos e bem regados repastos.
Talvez a novidade neste Perdoa-me 2.0 foi a presença do presidente da Liga Portugal, Pedro Proença, que se presta a um papel de apaziguador mas que na verdade não se protege perante a opinião pública, pois que a maioria dos adeptos em Portugal sabe e acredita que o real poder do futebol nos últimos 30 a 40 anos está na força destes dois clubes, alternadamente. Tivesse Proença publicamente patrocinado o enterrar do machado de guerra em nome de uma nova ordem no futebol português até poderia sair por cima, mas tendo sido um encontro privado e o líder da Liga apenas passado por lá para institucionalizar o momento, não passou, apenas, de alguém que segura a bandeja com dois flutes de espumante.
Sobre o impacto deste reencontro nos adeptos dos respetivos clubes, está à vista quem saiu a perder: Luís Filipe Vieira. Porque se entre os adeptos do FC Porto a coisa passou mais ou menos sem muita polémica (porque o capital de confiança em Pinto da Costa continua em alta e o passado de jogador de xadrez serve de escudo), o mesmo não se verificou entre os benfiquistas, que não entendem como Vieira é capaz de colocar o FC Porto em tribunal por causa da questão dos emails, acusando o rival de ser o responsável pelo ataque informático ao clube da Luz, e depois sentar-se à mesa com (diz Vieira) o mandatário de tal ato.
Não sei se foi uma decisão pensada (repito que seria extraordinário que de uma vez por todas os clubes grandes em Portugal virassem a página, mantendo a rivalidade mas simultaneamente a urbanidade), mas é cada vez mais evidente que Luís Filipe Vieira toma cada vez mais decisões unipessoais com repercussões no clube. Vive, sem sombra de dúvidas, o momento mais crítico desde que é presidente do Benfica, porque às más decisões de dirigente desportivo juntou a imagem de um gestor empresarial que falhou. A oposição, claro, quer explorar estas fragilidades. O contrário é que seria estranho.