Pensar maior
Espera-se que Fernando Santos tenha finalmente percebido que é impossível repetir uma campanha como a de 2016. Daquela maneira, acontece uma vez na vida…
OEuropeu foi de pavio curto para nós: nunca uma Seleção de Portugal tinha sido mandada para casa antes dos quartos de final e a sensação que fica, acima de todas as outras (e nem todas são negativas), é amarga: podíamos ter assumido muito mais aquilo que somos - uma Seleção da elite mundial, capaz de mandar no jogo e impor a sua vontade/qualidade em vez de, como tem sido hábito, procurar antes de tudo neutralizar os pontos fortes do adversário e «manter os equilíbrios» (uma expressão que, de certa forma, resume o ideário futebolístico de Fernando Santos). Espera-se que o engenheiro mais famoso deste país tenha finalmente percebido, depois desta desilusão e da desilusão do Mundial de 2018 (eliminados nos oitavos pelo Uruguai sem nunca mostrar cara de grande equipa), que é impossível repetir uma campanha como a de 2016… sobretudo nos moldes em que esta aconteceu.
Não dá, caro engenheiro. Foi fantástico mas acontece uma vez na vida. Para voltar a ganhar uma grande competição como um Europeu ou um Mundial será preciso outra atitude, outra pose: mais confiante, mais altaneira, mais atrevida, no fundo, como é expectável numa equipa campeã - e nós éramos tanto da Europa como da Liga das Nações. O que mais dói é perceber que, aparentemente, até temos jogadores para, como diz o povo, ir para cima deles. Por isso custa aceitar este futebol pequeno, falho de ambição e grandeza. Os desempenhos da Seleção no Mundial de 2018 e no Europeu de 2020(21) sugerem que chegou a altura de mandar às malvas o conservadorismo que inibe a aposta em jogadores impetuosos, irreverentes, ousados, enfim, como dizem os mais novos, fora da caixa. Não se pode sacrificar tudo aos sacrossantos «equilíbrios», caramba! Chega de pensar pequeno. Outra coisa. Bem sei que os números podem ser moldados consoante as conveniências, mas quando se repete à exaustão, para elogiar o ponto mais forte de Santos (… já o fiz aqui tantas vezes!), que é dificílimo derrotar Portugal em fases finais (três derrotas em quinze jogos: com o Uruguai, Alemanha e Bélgica), deve também sublinhar-se que é dificílimo Portugal ganhar um jogo no tempo regulamentar (três vitórias nesses mesmos quinze jogos: com País de Gales, Marrocos e Hungria).
O Europeu, no entanto, deixa algumas ideias fortes para o Mundial do Catar, que se disputa dentro de ano e meio na península Arábica (de 21 novembro a 18 dezembro 2022) com a novidade de, nessa altura, todos os jogadores se encontrarem em perfeitas condições físicas. Viu-se como os velhos Rui Patrício, Pepe e Ronaldo continuam a ser as traves mestras da Seleção e que a experiência de Moutinho ainda é muito útil, embora não forçosamente no onze inicial. Renato, a jogar assim (com a força e o ímpeto de um touro), tem de jogar… sempre! Entre os outros mais novos, Diogo Jota confirmou o que se intuía dele (com mais um ano e meio de progressão no Liverpool chegará ao Catar seguramente mais forte e completo) e João Palhinha mostrou, com clareza cristalina, que o futuro próximo é com ele. Onde também coloco, de caras, Francisco Trincão, extremo do Barcelona que me parece, tudo somado (talento, qualidade técnica, dinâmica, atitude competitiva) o nosso jovem lobo com mais possibilidades de se tornar numa figura do futebol internacional - uma figura a sério, se me faço entender. Parece-me que ele tem aquilo que é preciso; o talento, por si só, não garante nada.
O reverso da medalha: Bruno Fernandes, boss do Man. United, e Bernardo Silva, ultimamente a perder importância no Man. City. Ambos esgotados, ambos desinspirados, ambos deslocados, foram grossas desilusões neste Europeu. Bruno ainda aqueceu o banco em dois jogos, mas a teimosia de Santos com Bernardo foi mesmo de bradar aos céus: porque insistiu tanto nele, porque deu sempre a titularidade ao apagadíssimo citizen, que está em défice há muito tempo (lembre-se o apagão na final da Champions no Dragão) e que tantas omissões embaraçosas somou no conjunto dos quatro jogos; porque não deu o selecionador sequer um minutinho de jogo a Gonçalo Guedes, que já mostrou ter queda para a Seleção, e ao talentoso Pedro Gonçalves, a revelação goleadora do campeonato português ?!? Mistérios!
Mas, atenção: a qualidade de Bruno e Bernando aconselha prudência e reflexão. Urge enquadrá-los melhor e, sobretudo, preservar o incrível poder de fogo de Bruno Fernandes (30 golos nesta época, 90 golos nas três últimas!) e a capacidade de liderança dele, que vai ser muito precisa quando CR7 deixar a Seleção.
Dentro de ano e meio há mais. Até lá, estejamos ou não um bocadinho desgostos com ele, Fernando Santos continua a ser o único selecionador que conquistou uma grande competição (Euro-2016) para Portugal. O que não quer dizer que venha a ganhar outra - assim não vai de certeza.
Fernando Santos viu a Seleção Nacional cair nos oitavos de final, frente à Bélgica (0-1)
O ANO DOS LEÕES
ESTE é mesmo um ano leonino. Ontem, num clássico fantástico em Wembley (que intensidade, que dinâmica, que estupendo espírito de luta de parte a parte!), a seleção dos Três Leões venceu finalmente um mata-mata com a Alemanha, o que não acontecia desde a final do Mundial de 1966 (4-2) no mesmo local. O eterno carrasco da seleção inglesa foi merecidamente ao tapete, vergado por uma equipa jovem e corajosa que ontem fez gala de surpreendente disciplina/maturidade tática. A vitória da Inglaterra encheu de júbilo milhões de adeptos que agora acreditam ser possível reeditar, 55 anos depois, a fábula de Wembley. Veremos, mas é preciso ter em conta uma equipa que ainda não sofreu golos e tem jovens talentos da estirpe de Sterling, Foden e Grealish (que entrada brutal, ontem!) com «ganas de comer o mundo», como diz Guardiola. Joachim Low diz adeus à Mannschaft (que liderou durante 15 anos) e ao Europeu acompanhado de vistosa guarda de honra: Didier Deschamps, campeão mundial, Fernando Santos, campeão europeu e da Liga das Nações, e Zlatko Dalic, vice-campeão mundial. Vão todos para casa e não se pode dizer que deixem grandes saudades: afinal de contas, França, Portugal, Croácia e Alemanha ganharam, cada qual, apenas um dos quatro jogos realizados.
PS - A pobreza confrangedora dos jogos da Copa América, a decorrer em simultâneo com Campeonato da Europa, mostra-nos que continua a aumentar o fosso entre o futebol europeu, carregado de seleções intensamente competitivas, e aquele que era até há uns anos o seu único concorrente credível. Acho que nos dias de hoje qualquer seleção sul-americana que não se chame Brasil corre o risco de ser varrida por qualquer seleção europeia que não se chame São Marino, Gibraltar ou Liechtenstein. E mesmo este Brasil de Tite joga a passo, para os nossos padrões…