Paulo Gonçalves não é o Benfica

OPINIÃO11.09.201804:00

Nenhum cidadão de bem gosta de ver o seu nome exposto na praça pública sob acusação de eventuais ilicitudes, nem o do clube que ama, naturalmente, mas se quem não deve não teme, segundo o provérbio, a intervenção da justiça na vida da águia deve ser vista não só como salvaguarda dos «tradicionais julgamentos em praça pública», mas também como a única via para, respaldado na «independência dos tribunais», o Benfica poder limpar o seu bom nome e a sua honra. Foi através desta relevante alteração estratégica que Luís Filipe Vieira concluiu a sua breve declaração escrita, ao princípio da noite da última quarta-feira.

Não sei de quem terá sido a ideia nos corredores da Luz, mas hostilizar o Ministério Público e admitir o afastamento de um procurador apenas serviu para lançar mais dúvidas e receios sobre a família benfiquista. Além de me parecer um despropósito, em termos de comunicação institucional - por regra omissa e envergonhada, como se não existisse -, depreciar as teses acusatórias, como se fizesse algum sentido, por exemplo, um treinador na projeção de jogo importante, destacar os pontos fracos do opositor, colocando-o de sobreaviso, em vez de apreciar os fortes, de maneira a transmitir-lhe uma ilusória sensação de poder e mais facilmente o apanhar descuidado.

Se a equipa de advogados que trabalha na defesa da SAD encarnada entende que a acusação não apresenta qualquer facto ou prova concreta dos crimes imputados, é porque, do ponto de vista jurídico, se trata de um caso de limitada complexidade técnica. Falta saber, porém, se será mesmo assim…


O presidente não referiu o nome do assessor jurídico na sua intervenção, sem direito a perguntas, e logo se deu liberdade à adivinhação.

Não tinha de o fazer, contudo, por duas razões simples: 

1.ª, Paulo Gonçalves não é o Benfica.

2.ª, Paulo Gonçalves é, em si mesmo, um problema pelo seu trajeto, desde que começou (FC Porto), por onde passou (Boavista), os amigos do norte, o lugar falhado na Liga e o surgimento no Benfica. Uma carreira de risco, como classifiquei (houve quem não gostou…). De aí que a expressão ‘braço direito’ de Luís Filipe Vieira seja dita e escrita com uma frequência que impressiona. Nada ingénua. Pelo contrário, é indisfarçável a intenção de enxergar uma relação de comprometimento entre quem faz e quem deve saber.

Peço desculpa aos leitores mais exaltados mas não me desvio da linha de pensamento que defendi neste mesmo espaço de opinião há seis meses quando o caso, agora em fase de acusação, sugeria que fossem acautelados determinados procedimentos a que ninguém ligou, entre eles travar a imprudência de manter Paulo Gonçalves em representação do Benfica enquanto o processo não estivesse resolvido. 

Tratou-se de uma ousadia que  pode muito bem  ser interpretada como provocação aos investigadores.  Além de  servir de alimento à avidez noticiosa de quem  esgravata à procura de indícios embaraçosos. 

Foi bonito o gesto solidário da instituição e nenhum mal viria ao mundo se Paulo Gonçalves se resguardasse entre o recato do gabinete e a privacidade da residência.  No entanto, fez tudo ao contrário. Expôs-se. Sujeitou-se a situações  desagradáveis, para ele e para o clube, como o desentendimento com o representante do Sporting Bruno Mascarenhas. 

Não sei se com premeditação ou não, talvez não se desse conta, mas o assessor jurídico foi tendo um comportamento de iniludível arrogância, até no pormenor de câmara atrevida o denunciar nas bancadas do Bessa, durante o último Boavista-Benfica, a lado de um vice encarnado. 

Não acredito que o presidente do emblema da águia em alguma ocasião tenha alvitrado sequer a prática de um ato ilícito ao seu diretor jurídico. É uma repetição da minha parte. 

Não acredito porque Luís Filipe Vieira me merece respeito.  Admiro o seu trabalho e a sua obra. Admiro a sua coragem nas infindas e duras batalhas que travou para recolocar o Benfica no patamar de excelência que é seu por direito e o mundo do futebol reconhece.

Com Vilarinho, herdou  uma pilha de cacos. Hoje, ocupa um lugar muito invejado na hierarquia do clube. O mais invejado de todos, sinal de que deve estar duplamente atento ao que se passa fora e dentro de casa, vindo a talho de foice as palavras do campeão europeu António Simões em entrevista recente ao DN, conduzida pelo jornalista Carlos Nogueira. 

Afirma Simões que, em janeiro, teve uma conversa com Vieira sobre algumas situações que o preocupavam. Não revela o teor da conversa, mas confessa não o espantar  aquilo que está a acontecer. «Só espero que ele [presidente] não venha a ser vítima de gente que não tem respeito pelos valores e pela história do Benfica», sublinha.

Não tenho vocação para caçador de escândalos por estar cansado de saber que no futebol não há santos. Mas há diferenças significativas entre os pecadores. Por isso, duas notas: 

Confio na justiça. Vai aquietar o ambiente no jogo fora dos relvados,  apurando as responsabilidades que tiver de apurar, sem olhar a emblemas nem camisolas.

Confio em Vieira. Vai esclarecer o que tiver de esclarecer, crendo eu que sua maior inquietação vai concentrar-se nos ‘amigos de Peniche’, pela instabilidade interna que podem gerar. A presidência do Benfica tornou-se uma atração irresistível.