Parem as rotativas!

OPINIÃO22.07.201904:00

HÁ, entre os jornalistas, uma frase que costumamos utilizar, já mais em tom de brincadeira, que anuncia algo imprevisto e grandioso e que fará mudar toda a edição de um jornal. A frase tem apenas três palavras mas é conhecida de todos: «Parem as rotativas!» Isto é, simplificando, a gráfica que pare de imprimir jornais porque temos uma notícia retumbante para colocar na edição. Foi isto que pensei quando li que o West Ham comprara o passe do francês Sébastien Haller por nada menos de 50 milhões de euros aos alemães do Frankfurt. As rotativas não pararam dentro da minha cabeça por achar que Haller não vale tanto. Pararam por ficar a saber que o West Ham tem 50 milhões de euros para pagar pelo passe de um jogador. Não foi o City ou Chelsea. Nem o Real Madrid ou Barcelona. Foi o West Ham: o 10.º classificado na Premier League 2018/2019. Que nunca foi campeão inglês e cujos pontos altos são três Taças de Inglaterra, a última das quais ganha em 1980. O Benfica, cinco vezes campeão nacional nas últimas seis épocas, gastou apenas 58,8 milhões de euros nas suas três mais caras transferências de sempre: Jiménez, De Tomas e Carlos Vinícius.

PAREM, pois, as rotativas. Um clube inglês de meio da tabela tem (muito) mais dinheiro para gastar que Benfica e FC Porto, por exemplo. Não é, propriamente, novidade mas dá vontade de reabrir as goelas e gritar: «Parem as rotativas!» Aliás, se o ranking da UEFA fosse elaborado através da capacidade financeira que os clubes europeus possuem, águias e dragões sentiriam dificuldades para chegar à fase de grupos da Liga dos Campeões. Em Inglaterra todos os clubes da Premier League recebem mais de 100 milhões de euros anuais em prize money. Sim: até o Huddersfield, na época passada, recebeu. Se acrescentarmos mais quatro equipas espanholas (Barcelona, Real Madrid, Atlético Madrid e Sevilha), mais seis em Itália (Juventus, Inter, Fiorentina, Nápoles, Roma e Milan) e duas na Alemanha (Bayern e Dortmund), teremos 32 equipas. As 32 da Champions. Ainda sem o poderoso PSG do senhor Nasser Al-Khelaifi. Ou seja, Benfica e FC Porto teriam de disputar uma espécie de play-off financeiro.

Étambém por isto que continuará a ser um tremendo feito um clube português passar da fase de grupos da Champions. Os outros têm dinheiro? OK; os portugueses têm se ser mais argutos. Têm de fazer muito mais com muito menos. Fazer belas omeletas com ovos de segunda linha, como diria Otto Glória. O City dá-se ao luxo de comprar metade do passe de Thiago Almada e colocar o jogador em banho-maria, durante um ano ou dois, no Sporting. Gasta oito milhões de euros num argentino que pode, ou não, vir a dar jogador; que pode, ou não, vir a vestir a camisola azul-bebé dos homens de Manchester. É outro mundo. Os gestores dos maiores clubes portugueses têm de ser (muito) melhores que os ingleses, espanhóis, italianos ou alemães para concretizar uma gracinha na Europa.

ALGUÉM também deve estar a mandar parar as rotativas em Massamá. Carlos Vinícius passou pelo Massamá, andou pelo Nápoles, jogou no Rio Ave e no Mónaco e agora foi contratado pelo Benfica por 17 milhões de euros. O Massamá tinha 20 por cento do passe e, assim, vai receber 3,4 milhões de euros. Proporcionalmente é muito mais que o Benfica receber 120 milhões de euros pela venda de João Félix. Que fará a equipa do Campeonato de Portugal com 3,4 milhões? Que fará o Benfica com 120 milhões?

OUTRA coisa capaz de parar qualquer rotativa, sobretudo as do norte de Londres, foi o golaço de Harry Kane frente à Juventus, em Singapura, na International Champions Cup. A bola viera parar aos pés do inglês, ainda bem dentro do círculo central. Kane, de soslaio, viu que o guarda-redes Szczesny estava adiantado e, pum!, mandou grande bomba. Szczesny recuou, recuou, recuou e a bola entrou. «Stop the rotary, please!»