Pagar e morrer, o mais tarde...
O Sporting tirou Rúben Amorim ao SC Braga. O SC Braga não queria perder Rúben Amorim, mas, percebendo que o seu jovem treinador não conseguiria dizer não ao convite de Frederico Varandas, deixou-o ir para o Sporting. O Sporting, já o escrevi aqui, não bateu os dez milhões inscritos na cláusula de rescisão de Amorim com o SC Braga, como, de resto, desde logo se percebeu. O que o Sporting fez foi chegar a acordo com o SC Braga para pagar, em prestações, os dez milhões de euros que António Salvador exigia para deixar sair o seu treinador. Nada de anormal, foi aliás isso que aconteceu no negócio entre Benfica e Atlético Madrid para a transferência de João Félix: o emblema da capital espanhola não bateu a cláusula de rescisão do jogador, mas pagou o valor nela inscrito. Não é exatamente a mesma coisa, mas quando tudo corre bem vai dar ao mesmo.
O problema é quando as coisas não correm bem. É aí, nos casos como este que envolve Sporting e SC Braga, que se percebe um pouco melhor as diferenças entre bater a cláusula de rescisão e pagar a cláusula de rescisão. O Sporting, que há mês e meio não tinha condições financeiras para bater os dez milhões de euros de que António Salvador não abdicava para deixar sair Rúben Amorim, comprometeu-se a pagá-los em duas vezes: metade (a que acrescia 2,3 milhões de euros de IVA) até 6 de março - embora com uma moratória até o fim do mês - e a outra metade até 5 de setembro. Tudo aparentemente tranquilo.
A questão é que, percebeu-se agora, o Sporting falhou logo a primeira prestação. O que levanta, desde logo, uma pergunta óbvia. Façamos o enquadramento: o Sporting apresentou Rúben Amorim no dia 5 de março; o Sporting comprometeu-se a pagar ao SC Braga €5 milhões até 6 de março, ou seja, no dia seguinte - vá, admitamos dois dias... - a ter chegado a esse entendimento com os bracarenses. Pergunta óbvia: alguma vez o Sporting fez, de facto, questão de pagar a primeira prestação na data prevista? Porque se não os pagou, das duas uma: a) ou já não os tinha quando se comprometeu a pagá-los no dia seguinte - vá, admitamos dois; b) ou, tendo-os, optou por não pagar. Simples.
Não devemos, é verdade, ser insensíveis aos argumentos apresentados por Salgado Zenha, o homem forte das finanças leoninas, sobre as dificuldades em que o Covid-19 colocou todos os clubes portugueses. Esqueçamos, até, que na altura da transferência de Amorim de Braga para Alvalade o cenário era totalmente diferente do que conhecemos hoje e ainda se jogavam, até, partidas do campeonato. Talvez a SAD do Sporting já adivinhasse o que aí vinha e tenha decidido adiar um pouco o pagamento ao SC Braga, introduzindo no acordo a tal moratória que lhe permitiria pagar até 30 de março. Mas aí surge outra pergunta: se não pôde, ou não quis, o Sporting pagar até 6 de março por perceber que a coisa ia ficar preta, acharia que poderia pagar quando se confirmassem esses receios? Não bate a bota com a perdigota.
Não é um bicho de sete cabeças. O Sporting não pagou a primeira prestação de Rúben Amorim, ponto. Porque não pôde, porque não quis, porque achou que não tinha de fazê-lo. Mas não usem, por favor, como desculpa o vírus. Quanto mais não seja porque fica mal...
O que se segue? Bem, já se percebeu que o SC Braga não está para conversas - talvez por ter António Salvador percebido aquilo que está à vista de toda a gente. Seguir-se-á, provavelmente, uma luta nos tribunais, desportivos ou civis. E de certeza que a FIFA será metida ao barulho. Resta saber se serão tidos como válidos os argumentos leoninos. Ah, já com o futebol parado em quase todo o lado, a FIFA deu um mês ao Sport para pagar ao Sporting um milhão de euros em atraso pela transferência de André, caso contrário arrisca o clube brasileiro um pesado castigo. Pelos vistos, independentemente de ainda haver pandemia ou não...