Paciência
Nem um presidente do futebol como é Rui Costa pode ‘travar’ o dinheiro dos tubarões europeus
E STAVA mesmo a ver-se que a magnífica exposição no Mundial de um jogador tão promissoramente valioso como Enzo Fernández daria na discussão que, pelos vistos, já está a dar, mesmo sem o médio argentino ter regressado ainda a Lisboa da alucinante viagem que o levou à seleção, ao título, à nomeação como melhor jovem jogador do torneio e, por fim, à celebração grandiosa em terras de Buenos Aires.
No fundo, estava mesmo a ver-se, sem qualquer surpresa, que a fantástica competição com que Enzo deixou marca indelével no Catar depressa levantaria a inevitável questão: por quanto tempo mais vai este surpreendente médio argentino de 21 anos permanecer no Benfica? Rápida a questão, impiedosa a resposta: pouco, por muito pouco tempo mais.
Para o Benfica, que tanto da sua confiança, ideias e objetivos depositou em Enzo Fernández, ao ponto de se dispor a pagar por ele, há sensivelmente meio ano, qualquer coisa como 18 milhões de euros (cumpridos todos os desígnios) por 75 por cento dos direitos económicos, esta é a mais ingrata das situações: ter na Luz uma joia, precisar profundamente dela e saber como será difícil evitar perdê-la.
Enzo Fernández não é realmente um jogador qualquer. Um jovem de 21 anos que sai do país natal para uma aventura muito distante no Benfica, e se impõe numa equipa nova, e em reconstrução, como ele se impôs, quase parecendo jogar na Luz há um par de anos, com a confiança de um veterano, a maturidade de um experimentado e a simplicidade de um pequeno mestre; que é, entretanto, chamado pela primeira vez a uma seleção de tantas estrelas, agarra a oportunidade de ser titular, ajuda a equipa a sagrar-se campeã do mundo e impressiona ao ponto de se ver escolhido como ‘melhor jogador jovem do Mundial’, não pode realmente ser um jogador qualquer.
Estamos, evidentemente, a falar de um jogador excecional, daqueles que aparecem de cem em cem jogadores, e são olhados, inevitavelmente, como joias difíceis de encontrar e, por isso, tornadas tão valiosas.
Está o Benfica confrontado com uma das mais cruéis ironias deste futebol tão industrializado, tão competitivo, e tão financeiramente dominado pelas maiores potências: Enzo Fernández foi uma contratação tão acertada, foi tão positivo para as águias vê-lo a valorizar-se como se valorizou no Mundial, e é tão grande jogador como enorme é, agora, a dor de cabeça dos responsáveis encarnados, e sobretudo do presidente Rui Costa e do treinador Schmidt.
Para os encarnados, será tão bom que Enzo desperte hoje interesse de quem pode pagar 120 milhões por ele, e ao mesmo tempo tão mau que haja, já, quem possa chegar mesmo aos 120 milhões e, no imediato, forçar o Benfica a cedê-lo.
Económica e desportivamente, foi um tiro em cheio de Rui Costa, que se empenhou como se empenhou para ter Enzo Fernández no Benfica, mesmo tendo corrido o risco (e correu, realmente) de vir a ter o jogador apenas agora, por esta altura do ano, imagine-se. Se é verdade que talvez Enzo não tivesse sequer ido ao Mundial se continuasse a jogar na Argentina, e, portanto, o Benfica não estaria, certamente, agora a ver-se grego para o manter, também é verdade que sem Enzo talvez o Benfica não tivesse conseguido a primeira fase da época que conseguiu, quer na Primeira Liga, quer, sobretudo, na Liga dos Campeões, competição na qual Enzo pode muito bem ter sido (creio que foi mesmo) o decisivo ponto de equilíbrio de equipa que continua a ter visível descompensação entre o jogo que cria e o proveito que tira, no sentido em que dá sempre ideia de precisar de fazer muito para conseguir chegar, por vezes, a tão pouco.
Se bem entendo o que estará a passar-se, compreende-se em absoluto o dilema de Rui Costa, como presidente do futebol que terá sempre de procurar as contas certas sem hipotecar o essencial do objetivo desportivo e sem abdicar do sentido que levou o próprio Rui Costa a autoproclamar não querer ser um ‘presidente rico’, mas sim ‘um presidente ganhador’.
Nesse sentido, acredito, realmente, na ideia de o presidente encarnado procurar fazer tudo o que puder para manter Enzo Fernández no imediato projeto de levar a equipa a regressar aos títulos. Mas também acredito que o tudo por tudo de Rui Costa deverá acabar por ser insuficiente assim que a proposta para levar Enzo, já em janeiro, alegadamente para a Premier League, chegar aos 120 milhões de euros da cláusula de rescisão e tornar o negócio absolutamente irreversível, sempre e quando o jogador, no caso Enzo, der, por fim, o sim à transferência.
Há uns anos, e nalguns cenários, ainda era possível, no caso de clubes portugueses, convencer alguns jogadores a ficarem mais tempo com a promessa de virem, depois, a ser melhor transferidos. Mas o dinheiro envolvido hoje nalgumas operações - como é o caso da cláusula de rescisão de Enzo Fernández - torna praticamente impossível (mesmo impossível) tirar da cartola um coelho que seja e fará sempre soar mal qualquer que seja a promessa.
Além de há muito já ter aconselhado a que nunca mais se diga nunca, o futebol ao mais alto nível (desportivo e negocial) é hoje uma roda, infelizmente quase só alimentada pelo poder financeiro. Os clubes dos países mais pobres tentam contratar melhor jogadores promissores e incluir melhores (e mais imponentes) cláusulas de rescisão nos contratos estabelecidos, por saberem que, mais tarde ou mais cedo, os perderão para os tubarões da Europa. Incontornável.
No Benfica, como, aliás, no Sporting, para dar exemplos de clubes com possíveis negócios falados nos últimos dias, podem tentar garantir que só aceitam transferir jogadores mediante o pagamento das cláusulas de rescisão. Mas só isso.
No caso de Enzo Fernández, está mesmo a ver-se, pela proporção do negócio, que quem chega aos 100, chegará aos 120 milhões, e chegando aos 120 milhões, pagará salário a Enzo de acordo com a dimensão do investimento. O que tornará tudo ainda mais difícil para Rui Costa e para o Benfica, por mais forte que seja (e é, seguramente) a defesa dos interesses do clube. E a questão mudará de perfil: se Enzo sair, quem o substituirá?
Assim começará uma viagem nova no carrossel da Luz, e não há um benfiquista (ou, no mesmo cenário, um sportinguista ou um portista) que possa manifestar incompreensão.
No futebol, as joias não se guardam em cofres, longe dos olhares alheios. No futebol, as joias brilham à frente de todos e valerão sempre o que pagarem por elas. Se tiverem de pagar muito aos clubes grandes dos pequenos países, tanto melhor. Se pagarem, deverão os adeptos conformar-se - não há nada a fazer.
APÓS a paragem da Primeira Liga para se dar lugar ao Mundial, o Sporting regressou mais feroz do que nunca. Quatro jogos da Taça da Liga, quatro vitórias, estrondosos 18 golos marcados e, atenção, nenhum golo sofrido. O entusiasmo não poderia, parece-me, estar mais em alta, sobretudo no que diz respeito ao muito específico, e tantas vezes debatido e controverso rendimento do atacante Paulinho.
Saberá muito bem Paulinho que o futebol é o momento. E, sendo o momento, tão depressa será criticado por não conseguir marcar um golo nem numa ‘pelada’, como será elogiado se, entretanto, como tem sido, agora, o caso, desatar a fazer golos, seja o adversário da Liga 2, seja o SC Braga, sempre candidato, no mínimo, a moer o juízo aos três grandes como quarto grande por direito próprio e legitimidade garantida desde que, há um par de anos, António Salvador meteu na cabeça que faria, como fez, do clube uma das potências do futebol português, apesar de continuar a ter de transferir muitos dos seus principais jogadores, como Paulinho, aliás, que veio para Alvalade (fará em janeiro) há exatamente dois anos.
Seis golos nos últimos quatro jogos fazem, na realidade, de Paulinho um dos jogadores do momento. Não sei, evidentemente, se a visível subida de rendimento de Paulinho terá mais a ver com o trabalho do treinador Rúben Amorim ou do psicólogo que terá passado a acompanhar o jogador. O que sei é que qualquer jogador de futebol depende muito da confiança e dificilmente um jogador de futebol resiste à impaciência dos adeptos.
Foi Paulinho contratado para fazer golos? Claro. E, nesse sentido, compreende-se a reação dos adeptos quando Paulinho demora tanto tempo a fazer os golos que os adeptos esperam dele. Os adeptos são, em todo o lado, o tribunal que julga equipas e os jogadores e jogadores e equipas têm de saber conviver com isso. Pode Paulinho sentir, eventualmente, maior dificuldade do ponto de vista emocional e psicológico para reagir à adversidade da competição. Mas quem mais o julga, também mais deve refletir sobre o tipo de jogador que Paulinho é para não passar a vida a exigir-lhe que faça o que, porventura, ele nem estará tão talhado para fazer. Paulinho (parece claro) é, convém lembrar, muito mais um atacante com vocação também para construir do que o típico atacante vocacionado quase só para finalizar. A diferença não é assim tão pequena como isso. Tenham, pois, os adeptos mais paciência com Paulinho e verão se Paulinho não será menos paciente com o golo.