Ozil e a China
O inglês Stephen Leacock, que morreu a meio do século XX, foi um homem espirituoso, e não apenas por ser descendente dos Leacock que enriqueceram com o vinho da Madeira. Era um professor de coisas profundas, como a economia, porém escrevia e ensinava com humor - há até um prémio humorístico em nome dele. Leacock tem uma frase fantástica: «A razão pela qual esta disciplina que ensino se chama Economia Política é porque nada tem a ver com economia e nada tem a ver com política».
Ora então: Ozil, alemão de ascendência turca, muçulmano, queixou-se, a título pessoal, numa conta social e fora da esfera do Arsenal, o clube que representa, do que considera ser perseguição feita pela China a uma minoria étnica de origem muçulmana. Retaliando, a televisão estatal chinesa logo removeu da grelha o jogo entre Arsenal e Man. City, mesmo depois de o Arsenal se ter distanciado da posição do jogador. Há uns meses, houve caso parecido com os Rockets, quando um dirigente daquela equipa da NBA criticou a repressão das manifestações em Hong Kong, tendo sido cancelados contratos, transmissões e patrocínios a uma escala inusitada.
A dimensão do mercado chinês engoliu as elites do futebol e do basquetebol, que têm na China mercados maiores do que os dos próprios países. Isto leva, pois, a temores de represálias que podem ser limitadores das liberdades de expressão dos atletas, dirigentes, clubes. Mas a tendência não pode ser transformar celebridades com impressionante raio de alcance, como Ozil, que tem 50 milhões de seguidores online, em figurinhas apolíticas. É, eu sei, a velha dança entre economia e política, em todo o caso agora a uma escala que mete despudoradamente o desporto pelo meio. É um território desconhecido, de novos limites morais. Rebuscando Leacock, o que parece ser a global Economia do Desporto é algo que parece nada ter a ver com economia e nada ter a ver com desporto.