Outra forma de contar - efeito VAR, parte 2
Com o VAR, o golo que não foi é, agora, mais do que era o mero golo anulado. O golo anulado não era importante na história de um jogo, mas o golo que não foi é, tantas vezes, mais relevante do que o golo efetivo.
Aos jornalistas da área de desporto cabe hoje a estimulante obrigação de melhorar a forma como se conta um jogo de futebol. Notem como um encontro descrito numa estrutura narrativa linear, mecanizada, ordenando personagens, problemas e resoluções até aos momentos de clímax que explicavam a história, perdeu interesse e valor. Temos, pelo VAR, regularmente um anticlímax que se vai atestando como novidade: o tal não golo, que desalenta quem o festejara e alegra quem o sofrera. É um drama que se move agora muito depressa.
Convenhamos que história que se escreve de um jogo, a crónica, com efeito nunca deveria ter-se reduzido, como foi acontecendo, à acessível descrição dos acontecimentos. Era esse um procedimento necessário há meio século, mas tem-se diluído na vulgaridade informativa daquilo que toda a gente já sabe, toda a gente já viu e, ademais, até surge nas edições sob outras formas de análise, como os filmes de jogo, as descrições de golos e lances polémicos ou as avaliações individualizadas dos futebolistas que, dessa forma fácil, a crónica apenas repisa em ramerrame.
O enredo tem então de mobilizar-se, deve passar a seguir com aumentada frequência uma estrutura não-linear, desobedecendo ao tal padrão clássico de cronologias e casualidades. O bom cronista deve dedicar tanto cuidado ao que não foi como ao que foi, e centrar-se no que mais afetou a história, a gradação do jogo, seja o clímax ou o tal anticlímax.
Quem diria, no jornalismo, que aquilo que afinal não foi poderia um dia tornar-se tão essencial para contar?