Os pugilistas velhos e cansados
Há fascínio em velhos pugilistas. Vi imagens de Tyson, com 53 anos, a treinar-se para, brevemente, defrontar outra vez Holyfield. Se a aparente força dos golpes não surpreendeu - ainda parece capaz de «partir, pela barriga, a espinha de um homem normal», como Mailer escreveu de Foreman em O Combate - a velocidade com que se mexe continua aterradora. Tyson sempre foi assustador. Mais ficou depois de, frustrado, morder Holyfield, pois um homem assustador é ainda mais assustador quando se assusta.
Para lá do susto, há arte nestes regressos de velhos pugilistas. Tyson é artista. Até na orelha que mordeu, sim, foi artista, aquele que antes aprendeu a dominar as regras e num momento teve de quebrá-las, criando tragédia. Além do mais, neste previsível e envelhecido regresso - ideia de Tyson, escreve-se na América - há uma sujeição a outra realidade, pior, uma na qual ele já não é aquele corpo fechado, o balanço imparável de esquivas profundas, as distrações com toques quase só tamborilantes na barriga e depois os cruzados ao queixo para nocaute. E não sendo o que foi, Tyson manifesta outra forma de expressão artística, a de recusar que o tempo tenha passado. Um velho pugilista é um museu.
Aliás, há velhos lutadores em museus: o Nacional Romano expõe uma estátua grega, de a. C., O Pugilista em Repouso. É de um admirável realismo, um homem cansado, inchado, de boca aberta, olhos para dentro, manchas de sangue noutros tons de bronze, mãos ligadas por tiras de couro. É a lembrança de um herói que representou a cidade e venceu, porquanto aos derrotados não se erguiam estátuas, e desde aí se sabe que há irremediavelmente algo de perfeito em quem domina a mais antiga, solitária e justa das lutas. O velho pugilista cria arte, até que um dia ele próprio começa a tornar-se na obra que vai criando.