Os poderes do costume
No fundo, é o costume. Mais do mesmo no clássico do Dragão. Os dois de sempre, a luta de sempre (pensarão os adeptos das outras equipas), o bocejo de sempre. Porto ou Benfica, Benfica ou Porto. Um deles vai ser campeão e entrar diretamente na próxima Champions. O outro tentará lá chegar pelas eliminatórias. Até nesse detalhe nada despiciendo dos milhões a questão parece resolvida para os dois do costume: Porto ou Benfica, Benfica ou Porto. Braga e Sporting já estão muito atrasados e só por nada provável milagre reentrarão na luta pelo (putativamente valioso) segundo lugar. Volto a insistir: nenhuma surpresa. Vivemos há muito tempo neste regime bipolar. Por serem indiscutivelmente os dois clubes mais fortes, melhor dirigidos e apetrechados, FCP e SLB têm, nas últimas quatro décadas, dominado a seu bel prazer. Tanto no jogo corrido como no jogo subterrâneo, cujo controlo é muito importante num futebol como o nosso, povoado de artistas e, lamento escrevê-lo mas toda a gente sabe que é verdade, ainda muito virado para o truque, para o golpe, para a desonestidade. «O melhor e o pior do futebol português passa pelo Porto e pelo Benfica. Por algum motivo são eles que ganham quase sempre. E por algum motivo quando se fala em sistema ninguém pensa no Sporting mas num dos outros dois grandes que, na realidade, são os únicos que mexem, que verdadeiramente influenciam e condicionam…» dizia-me há dias a sorrir um famoso treinador português na reforma, arrastando propositadamente a palavra poderes.
Pois é disso que se trata: poderes, com todas as valências e perversidades que lhes andam associados. Poderes futebolísticos aqui só há dois, com os respetivos sistemas atrelados (sistemas de controlo, influência, pressão e outras manigâncias). Porto e Benfica, Benfica e Porto. Nos últimos cinco anos, o Benfica ganhou 4 campeonatos contra um do Porto. Nos cinco anos anteriores, foi exatamente o contrário: FCP: 4 - SLB: 1. Na última década temos, portanto, 5 campeonatos para cada um. Para o Sporting e para os outros: zero, bola, como diz o Jesus. E podemos continuar a fazer este exercício para trás (ganhando então os portistas e respetivo sistema claro ascendente) sem risco de ver este duopólio grandemente desafiado. O Sporting ainda ganhou dois campeonatos na viragem do milénio (2000 e 2002) e o Boavista intrometeu-se pelo meio (2001). Esses três anos representam uma exceção extraordinária à regra do costume: Porto ou Benfica, Benfica ou Porto. Porque depois é preciso recuar mais 18 anos, até 1982 (Allison), para se encontrar outro campeão sem ser Porto ou Benfica, Benfica ou Porto. É assim a nossa vidinha. E assim continuará a ser por muitos anos se entretanto o Sporting não arrepiar caminho (o Braga está bem mas ainda tem muito que crescer e aprender…). Houve um primeiro jejum de 18 anos (1982-2000) e este segundo, como quem não quer a coisa, para lá se encaminha: faz 17 anos em maio próximo (2002-2019).
Sábado, seja qual for o resultado, o destino do campeonato não ficará definido. Ficarão a faltar dez jornadas, ainda muitos pontos em jogo. Mas podemos falar de quatro cenários e especular algumas consequências. O primeiro cenário é o do empate, que aconteceu nas duas últimas épocas. Ficará tudo igual, exceto num detalhe: FCP terá falhado golpe de autoridade em momento crucial. A luta prossegue até ao fim, blá, blá, blá… e não consigo dizer quem tem melhor ou pior calendário: FCP vai a Braga e recebe Sporting na última jornada; SLB vai ao Moreirense e a Braga. Segundo cenário: Porto ganha por um golo. Fica com quatro pontos de avanço e volta a ser favorito. Terceiro cenário: Porto ganha por dois golos e, porque perdeu na Luz por um, assegura vantagem em caso de empate final. Porto ainda mais favorito. Quarto cenário: Benfica ganha no Dragão e chega à liderança (mais dois pontos). Moral nos píncaros e favoritismo óbvio ao Benfica para a reta final.