Os ‘novos juízes’

OPINIÃO15.09.202004:00

Problema, e dos grandes, terá o Benfica se esta noite não revelar a competência necessária para bater os gregos do PAOK e manter incólume a pretensão de aceder à fase de grupos da próxima edição da Liga dos Campeões. É difícil, por se decidir esta eliminatória num único jogo, mas é hora de vencer, sob risco de uma falsa partida para o prometido novo ciclo.

Abel Ferreira conhece Jesus, mas Jesus também conhece Abel. O fator casa nem sequer pesa na decisão, na medida em que o jogo será disputado sem público e não me venham dizer que, mesmo com bancadas vazias, o emblema visitado terá vantagem por causa das referências que os jogadores memorizam nas construção dos lances ofensivos. Não refuto quem é mestre na matéria, mas, pedindo desculpa pela minha teimosia,  permito-me duvidar da interferência desses pormenores no produto final do trabalho coletivo. Se com estádios cheios o ambiente exterior poderá servir de amparo e de motivação ao clube da casa, com eles vazios são onze contra onze, como referiu, com inusitada oportunidade, o treinador João Henriques no comentário que fez à vitória do seu Santa Clara sobre o Benfica (4-3), num estádio da Luz silencioso e… envergonhado.

Com os pratos da balança nivelados, cabe aos jogadores  encarnados estarem à altura da história do emblema da águia, duas vezes campeão europeu, e corresponderem aos que lhes é exigido: o triunfo. De apostas falhadas estão os adeptos cansados, mais ainda com a falta de atitude a ser sistematicamente desculpabilizada com justificações que apenas encobrem a mediocridade que nenhum clube de top deve tolerar. O primeiro sinal de mudança tem de residir na intensidade competitiva e na obrigação de cada jogador encarar o desafio seguinte como o mais importante da sua carreira.

António Costa, já como primeiro-ministro, fez  parte da comissão de honra da candidatura de Luís Filipe Vieira nas eleições do Benfica, em 2016, e também integrou essa comissão, quatro anos antes, quando era presidente da Câmara de Lisboa. Agora, em 2020, a situação repete-se, mas, mesmo assim, o tema foi aproveitado para gerar não uma  «discussão nacional», como bondosamente A BOLA lhe chamou, na primeira página da sua edição de anteontem, mas uma barafunda nacional suscitada por alguns responsáveis partidários que falam para onde estão virados, em função de conveniências e não de convicções, consoante a direção do vento.

Quando se quer provocar uma polémica  arranja-se alguém que puxe a ponta da manta que ficou solta  e quem se prestou a esse serviço foi um senhor chamado João Batalha, apresentado como presidente de uma associação cívica que se designa Transparência e Integridade, o qual não se coibiu na oratória, perdendo a noção do bom senso ao dizer o que disse, nem na escrita, ao escrever o que escreveu, violando a fronteira do admissível. Se o objetivo era criar uma algazarra, teve sucesso. Conseguiu o que pretendia e recolheu o  protagonismo que provavelmente desejaria, mas se a transparência que apregoa significa censurar tudo e todos e a integridade que defende se alcança atirando pedras às casas dos vizinhos de quem não se gosta, como diz o outro, desculpe, mas vou ali e já volto… 

Pessoalmente, sinto-me um cidadão livre e protegido pelo Estado. Confio na Justiça e nada me move contra esta ou qualquer outra associação cívica, pelo contrário, apesar de colocar reticências sobre quem delas se serve  para mais depressa subir na vida. É natural, mas, em qualquer circunstância a boa educação nunca fez mal a ninguém, é a sabedoria do povo a falar. Detesto, por isso, quem se arvora em dono da razão e procede em relação aos outros como espécie de polícia de costumes ou  justiceiro por conta própria.

Este escusado episódio serviu, mais uma vez, para revelar a pobreza dos nossos políticos, temerosos dessa invenção medonha a que resolveram chamar promiscuidade entre a política e o futebol,  sem especificarem, no entanto,  onde se acoita o lado errado da noite, como canta Jorge Palma:  se  na política, por eles próprios aceite como antro de gente pouco credível, ou se no  futebol, desde há muito visto como refúgio de malfeitores.

Coitado do futebol que nem é capaz de se defender  por causa das suas lutas tribalistas internas. Coitado do futebol, de costas suficientemente largas, e à medida dos clientes, para desviar as atenções do modelar convívio da mesma política com áreas do mundo de negócios, mais seletivas, mais atrativas e… mais coisas.  Quando o futebol é trazido à colação toda a gente ralha, geralmente sem razão, mas sempre com a intenção de aproveitar a oportunidade  para difundir interesses dúbios ou colaborar em  campanhas contra o bom nome de terceiros, como aquela a que se assiste, contra a figura do presidente do Benfica, fomentada por uma nova estirpe, imaculada, de novos juízes, que se sente  com especiais poderes para julgar e condenar no tribunal de rua, pisando até fazer sangue.

Cada pessoa responde por si e pelos seus atos, assumindo as responsabilidades. No meio da gritaria por causa da comissão de honra de Vieira, no espaço de comentário, que eu tivesse ouvido, apenas o professor António Costa Pinto, com a serenidade que o define, discerniu que o primeiro-ministro, com a sua longa e sólida experiência, não  se distraiu, apenas aceitou cometer um «erro calculado», julgo que foi esta a expressão que utilizou, acompanhada de um sorriso a condizer.

O resto tem sido conversa para gastar tempo. Até os presumíveis  adversários de Vieira no processo  eleitoral do Benfica debitaram insignificâncias para não ficarem em silêncio, sintoma de que são fracas alternativas….