Os ‘monstros’ em Kiev

OPINIÃO22.05.201804:00

Kiev recebe a 20.ª final europeia do Real Madrid (16.ª na Champions) e a 13.ª do Liverpool (8.ª na Champions). É uma final entre pesos pesados. O Madrid luta por uma inédita terceira vitória consecutiva na Champions que, a acontecer, será a quarta em cinco anos e reforçará o lugar desta equipa na história - melhor, só o Madrid de Di Stéfano, Puskas e Gento, pentacampeão europeu entre 1955 e 1960. Como adepto do Liverpool é claro que estou a torcer pelos reds de Mersey mas reconheço, porque não sou cego, que o triunfo realista é o desfecho mais provável. Como há dias admitiu Jurgen Klopp ao jornal AS, em Marbella, o Real «tem uma frieza de gelo na Champions e jogadores muitíssimo bons em quase todas as posições…(…) mas no futebol há ferramentas para evitar que as virtudes do rival triunfem». É bom que Klopp as tenha à mão porque o Real não perde uma final da Champions desde maio de 1981 (curiosamente, com o Liverpool: 0-1 em Paris…) e ganhou as últimas seis que disputou. Se acrescentarmos as finais de outras competições (Supertaça UEFA e Mundial de Clubes) concluiremos que o Real Madrid vai com doze títulos internacionais consecutivos (!), o que é uma coisa estarrecedora. Como alguém disse: o Madrid não joga finais, ganha-as. Klopp também produziu uma observação engraçada ao Daily Mail sobre o duelo entre Salah e Cristiano: «Salah fez uma época fantástica mas Ronaldo faz o mesmo há quinze anos e marcou para aí uns 47.000 golos», disse o alemão, sublinhando que «não vale a pena comparar Salah com Ronaldo porque no tempo de Pelé ninguém o comparava com os outros».

Klopp tem razão. Por muito fabulosa que tenha sido a época do Mo Salah - se foi ! -, o estatuto de Cristiano é outra coisa. Quando ele entrar no relvado no Olímpico de Kiev, entrará com ele a aura de um registo único na Champions: seis finais, quatro títulos, 156 jogos, 99 vitórias, 121 golos e 37 assistências. Cristiano é o perigo mais letal para a defesa do Liverpool e o principal candidato a man of the match - este é o homem que não costuma falhar nos momentos decisivos e o único que marcou em três finais. O madrismo confia nele a cem por cento e Zidane certamente ficou aliviado com o que viu sábado passado em Villarreal: um Cristiano solto, alegre e com o instinto matador de sempre. O golo que marcou foi o 50.º da época, o que acontece pela oitava época consecutiva, outro registo inédito no futebol europeu. Mas nem só de Cristiano vive o Real. Todos os jogadores desta equipa parecem feitos para ganhar a Champions. Com efeito, não há plantel mais experiente e laureado nesta competição: Zidane conta com um tetracampeão (Ronaldo), onze tricampeões (Ramos, Varane, Marcelo, Carvajal, Nacho, Kroos, Modric, Casemiro, Isco, Bale, Benzema) e quatro bicampeões (Keylor, Casilla, Kovacic e Lucas) para atacar a final de Kiev. Isto representa um enorme capital acumulado de experiência, maturidade e know how. Julgo que será até o ponto mais forte dos espanhóis. Relativamente ao Madrid, sabemos de certeza uma coisa: ninguém vai acusar a pressão do momento.

Para os jogadores do Liverpool trata-se da primeira final na Champions, sendo que alguns deles perderam há dois anos a final da Liga Europa para o Sevilha (1-3) - e para o árbitro sueco Jonas Eriksson, que perdoou três penalties aos andaluzes na 1.ª parte. Curiosamente, só três dos 14 que alinharam nesse jogo devem jogar em Kiev: Lovren, Milner e Firmino. Sem esquecer a dimensão física brutal dos três armários do meio campo (Milner, Henderson e Wijnaldum), o ponto forte do Liverpool é realmente a força, qualidade e velocidade do seu trio ofensivo (Salah-Mané-Firmino), que marcou 31 dos 46 golos reds nesta Champions. O tridente que dinamitou sem piedade as defesas do Hoffenheim (6-3), Sevilha (5-5), Spartak Moscovo (8-1), Maribor (10-0), FC Porto (5-0 no Dragão!), Man. City (5-1) e Roma (7-6) está apontado à periclitante defesa realista e tem, a meu ver, capacidade para derrubar, por si só, os bicampeões europeus. E depois há outra coisa que joga a nosso favor (desculpa Cristiano, sou teu fã incondicional… menos neste jogo). O Liverpool é um clube com enorme propensão para o drama, para o excesso, para a épica. As finais europeias do Liverpool, para o bem ou para o mal, normalmente ficam na história. Lembro as demolições do grande Borussia M’bach de Vogts, Netzer, Stielike, Bonhof e Heynckes em 1973 (3-2) e 1977 (3-1) … a classe pura de Kenny Dalglish a derrubar o ultradefensivo Brugge de Ernst Happel em Wembley (1978)… o Real Madrid KO após o improvável slalom do lateral esquerdo Alan Kennedy em Paris (1981)… o drama mortífero de Heysel (1985) que me fez chorar como uma criança em frente da televisão … o fabuloso 5-4 ao Alavès em Dortmund (2001)…  a inacreditável reviravolta de 2005 (0-3 para 3-3) em Istambul perante o Milan de Carlo Ancelotti e Rui Costa. Enfim, se a final de Kiev estiver destinada a ficar na história, parece-me bom sinal… e desta vez não me refiro ao penta de Cristiano…

Futebol podre, varridela inevitável

Escândalos destes últimos tempos, limitando-me só aos mais mediáticos: árbitros ameaçados na Maia por elementos de claque portista; operação jogo duplo; ultra do Sporting assassinado por ultra do Benfica no decurso de batalha na via pública antes do derby; caso e-mails; operação lex; operação e-toupeira; jogadores e treinador do Sporting ameaçados e agredidos em Alcochete por bando encapuzado com elementos de claque sportinguista; operação Cash-Ball. Denúncias anónimas, investigações, buscas, detenções, constituição de arguidos. Terrorismo verbal e comunicacional quase diário por parte dos três grandes e de comentadores a eles afetos. Quadros pertencentes a cúpulas dirigentes de dois grandes  - Benfica e Sporting - suspeitos de práticas atentatórias da verdade desportiva. Em suma. Se eu fosse um empresário rico e tivesse vontade de investir no futebol, com toda a franqueza, Portugal era o último da lista. É que o nosso futebol, apesar de algumas melhorias em setores sensíveis, continua a dar guarida [e a aceitar comportamentos inadmissíveis] a muita gente ordinária, desqualificada e sem escrúpulos. Gente que lhe dá cabo da reputação. A boa noticia é que a varridela é inevitável: ninguém aguenta outra época assim e quero acreditar que os próprios adeptos estão fartos - por falar nisso, vejo cada vez mais comentários sobre as principais ligas estrangeiras [e pelos portugueses que jogam lá] nas redes sociais. Entende-se: o futebol nacional está podre e tresanda. Afasta as pessoas.
A má noticia é que a varridela terá de ser imposta do exterior.