Os fantoches do futebol português

OPINIÃO30.03.201903:00

OS fantoches, por definição, são bonecos articulados por fios. Também são conhecidos por marionetas. Figuras históricas de divertimento público. Protagonistas ancestrais dos palcos de teatros mais populares.


Os fantoches não são para levar a sério. São representantes de uma arte cénica figurativa e que representam um certo lado pitoresco, como se fossem uma caricatura da realidade, um desenho excessivo das pequenas e grandes misérias da própria vida.
No palco do futebol português, os fantoches ganharam espaço e ganharam vida própria. O seu espetáculo começou por ser, apenas, um espetáculo de fantoches e de marionetas articuladas por mãos habilidosas, mas o povo inculto e pouco demorado nos pensamentos deixou-se cativar por aquele lado alarve e estúpido dos bonecos e não tardou a que as televisões vissem, ali, um projeto de agitação do seu clube de audiência mortas.


Hoje, podemos encontrar os fantoches do futebol português um pouco por todo o lado e a questão mais intrigante é a de que nem todos são imediatamente reconhecíveis à vista desarmada. Podem estar ao nosso lado, no restaurante ou no supermercado, no parque de diversões ou na paragem do autocarro, vestidos como pessoas, agindo como pessoas, andando como pessoas, rindo e falando como pessoas e nós não nos apercebemos de que não são mesmo pessoas, mas apenas fantoches, bonecos que por um estranho desejo de autonomia, se desenfiaram dos fios e de quem os manipula, se despiram de figurantes e quiserem experimentar como seria  a vida humana.
Não há perigo especial nessa vontade inócua e ingénua. Não aguentam muito tempo a realidade da vida e depressa eles próprios se atam, de novo, aos fios que os controlam e aos seres superiores que os comandam.


Há, no entanto, uma inquietação legítima: os fantoches começam a ser muitos e têm uma particular sedução pelas câmaras televisivas, pelos microfones da rádio, pelos títulos gordos dos jornais e, muito especialmente, pelo uso das redes sociais. É aliás neste universo egocêntrico da comunicação impessoal e não raras vezes absurda que os fantoches se sentem como peixe na água. Aquilo foi feito para eles, mesmo que possa ser usado por pessoas, mesmo que tenha o seu espaço pensante e crítico, a rede social é a cama onde qualquer fantoche gosta de estar, porque se sente mais próximo daqueles que o atormentam com movimentos que não querem ter, como ações que não querem assumir, com representações que fazem por serem obrigados.


Todos nós temos épocas do ano em que nos exigem mais na nossa vida profissional. No caso dos fantoches do futebol, o final de cada época é uma tormenta que só não é desumana porque os fantoches não são verdadeiros humanos, mas apenas caricaturas dos humanos.
Sem horário de trabalho, sem sindicatos que os protejam, sem poder de reivindicação, sem salário, sem dignidade profissional, sem reconhecimento público, os fantoches trabalham, incansavelmente, todos os dias, a todas as horas no interesse dos donos do teatro da bola, que não prescindem da enorme vantagem de não aparecerem por detrás dos cenários a manobrarem os fios das mais alarves fantochadas.
Surgiu, entretanto, um perigo inesperado para o futebol português. É que algum povinho desaprendeu de saber que o fantoche é apenas e só um fantoche. Alguns começam a acreditar que são gente a sério, com uma vida para viver. E, de repente, a fantochada, que devia ser só um ingénuo entretenimento, começou a ser levada como se fosse coisa séria, em que vale a pena pensar.