Originalidade no reino do leão
Houve quem afirmou um dia que as finais são para se ganhar e o Desportivo das Aves, ao interpretar esse princípio com inabalável competência, justificou a posse da Taça de Portugal, não tendo muito cabimento, por isso, a reprimenda que o seu treinador deu a todos e a ninguém em particular pelo facto de, segundo ele, não se ter dispensado à equipa a atenção e o espaço jornalístico que merecia.
José Mota tem carreira feita e esta conquista premeia trabalho de muitos anos. Compreendo-lhe o desabafo, mas também sei que ele sabe como é que as coisas funcionam. Os fracos são sempre olhados como tal e para se imporem aos fortes exigem-se-lhes forças que a estes se dispensam. É assim a vida, mas ninguém faltou ao respeito, nem a ele nem ao clube, nem à região que representa. Era o que faltava…
Com a sua sólida experiência, Mota aliviou a alma e libertou um sentimento de opressão. No seu entendimento, considerou-se ofendido por eventual adulteração de valores na distribuição de méritos derivada da pouca vergonha que tomou conta da vida leonina nos dias que antecederam o jogo. Vincou uma posição. Não seria preciso, mas quis fazê-lo para memória futura: quando se falar desta final, não deve subsistir nunca a mínima dúvida sobre a excelência exibicional do Aves.
Não gosto, nem nunca gostei do estilo de Bruno de Carvalho, muito menos de boçalidades que apimentam algumas das suas intervenções, como no discurso da reeleição. Enfastia-me o ritmo pastoso como se expressa, quando começa a desenvolver uma ideia, anda para trás e para o lado, dá tempo a quem o ouve de ir beber um café e chegar a tempo de continuar a ouvi-lo perorar sobre o mesmo tema sem se enxergar o fundo do tacho.
A última conferência de Imprensa, marcada para a uma da tarde de sábado, é o exemplo mais recente. Começou com 45 minutos de atraso e gastou quase duas horas com banalidades e insinuações pouco claras, de muito discutível relevância, em função do aparato mediático que lhe foi dispensado, reconhecendo, no entanto, a perspicácia e mestria com que a máquina da propaganda leonina tem explorado a situação: não importa a qualidade da comida que se põe no prato, convém é que seja muita…
Ontem, porém, em súbita alteração estratégica, «passado o jogo da final da Taça de Portugal», além da suspensão de todos os benefícios protocolados entre clube e claque até conclusão da investigação do Ministério Público e também do processo de averiguações interno, foi comunicado o pedido de audiências, já aceites, a primeiro-ministro e secretário de Estado da Juventude e Desporto e solicitadas reuniões ao universo Sporting no sentido de conseguir a união e coesão da família leonina. Um recuo tático evidente, com fins que, obviamente, me escapam.
BdC, já o escrevi, nunca se sabe, é uma fonte de surpresas. Julgo não lhe passar pela cabeça resignar, ficando os motivos por que assim age à consideração de cada qual.
Oepicentro da discórdia ter-se-á localizado numa reunião entre presidente e treinador, sendo, daqui em diante, muito pouco provável, embora não absolutamente improvável, a coabitação entre ambos.
Há três anos, Jorge Jesus entrou em Alvalade levado por esfuziante entusiasmo e com a promessa de devolver ao Sporting a capacidade de repartir o sucesso nos Campeonatos com Benfica e FC Porto. Nessa altura, o presidente, porventura carente de aplausos, desceu ao plano do relvado, misturou-se com treinador e jogadores e transformou-se em participante ativo e regular nas chamadas voltas olímpicas.
Hoje, na transição para a quarta época, apenas com uma Supertaça e uma Taça da Liga no palmarés, manifestamente de menos em face das expectativas que prenunciaram conquistas infindas ao leão e traçaram a ruína do vizinho da Segunda Circular, nota-se, com a subtileza sugerida pela gravidade do caso, que é o treinador a subir ao andar da Administração, em sentido figurado entenda-se, por ser ele a única peça de artilharia de que a oposição dispõe capaz de abalar o poder presidencial.
Jorge Jesus, agora sem a possibilidade de esgrimir o eterno desejo do FC Porto em contratá-lo, pretende manter, naturalmente, o contrato válido por mais um ano, ou até dois, quem sabe, se a sua influência for suficiente para abrir caminho a um novo ciclo diretivo.
Bruno de Carvalho, por seu lado, já deve ter-se convencido de que a contratação de Jesus, mais a exagerada envolvência que a caracterizou, está a revelar-se um fiasco, de aí a renitência em estender o pagamento de uma quantia absurda, diria até ofensiva para a nossa realidade social.
Quando os resultados desagradam, não podendo despedir-se a equipa, quem se trama é o treinador. Vem nos livros. Mas o Sporting privilegia a originalidade: afastar o presidente que foi reeleito há um ano com 86 por cento dos votos e confirmado há três meses com quase 90 por cento. Alguém explica como?
PS: A Justiça perdeu a paciência com as claques e os claqueiros. Já era tempo.