O VAR e o alarme ou o alarme do VAR
EU ainda sou do tempo que, quando chegava à casa, altas horas da noite, quem me abria a porta da rua era um homem simpático, mas já com alguma idade, a cuja função ou profissão se dava o nome de guarda-nocturno. E todos - os desse tempo - se devem lembrar que quando ele não estava nas imediações da residência, a maneira de o chamar era um bater de palmas! Hoje, passado quase meio século, vivo na mesma casa que vivia, mas já não bato as palmas para o chamar, pela simples razão de que já não há guarda nocturno para chamar. Julgo que na minha rua e em todas as ruas deste Portugal. Acabou essa figura característica de Lisboa, que vivia da generosidade dos habitantes da sua zona de protecção. No meu tempo, eles já tinham idades avançadas, e a sua presença era apenas um sinal de segurança, de uma segurança que então existia, e que não tem comparação, como é óbvio, com a insegurança de hoje. Hoje, quem se preocupa com a segurança da sua casa ou do seu escritório, na impossibilidade financeira de ter um segurança humano à sua porta, recorre aos sistemas electrónicos. Também, nesta matéria, o homem vai sendo substituído pela electrónica. Os alarmes são hoje uma arma sofisticada na luta contra os ladrões, dificultando-lhes a vida porque tornam mais difícil a intrusão e mais célere a chamada da polícia. É natural pois que os ladrões não gostem dos alarmes e, designadamente, da sofisticação de alguns, que nos permitem liga-los e desliga-los através de um telemóvel que, inclusivamente, nos permitem ver imagens do que se passa na nossa casa!
Eu sou do tempo em que para ver futebol eu tinha de ir ao estádio. Não havia televisão para os transmitir, sendo os relatos do mesmo apenas pela rádio. Nessa altura a arbitragem não tinha grande possibilidade de ser escrutinada, porque o momento do penalty por marcar ou assinalado, e o off-side bem ou mal observado, não tinha possibilidade de ser visto outra vez.
Sou do tempo em que os jogos começaram a ser televisionados, mas levaram alguns anos até os lances poderem ser analisados ao pormenor. Os árbitros passaram a ser escrutinados de uma forma implacável. Mas os árbitros, apesar de terem deixado de ser os detentores da verdade desportiva, porque as televisões começaram a demonstrar minuciosamente os seus erros - os involuntários e os voluntários - ainda assim continuaram a defender-se com a evidência de que eles não tinham a repetição do lance como os telespectadores e os críticos, especialistas ou nem por isso. Mas os meios tecnológicos chegaram à arbitragem, designadamente, o vídeoarbitro, e tal desculpa acabou. O vídeo trouxe a verdade desportiva. Ainda há muito para evoluir, ainda tem muita margem para progredir. Por isso vejo muita gente alarmada e compreendo-a! Passou o tempo do guarda-nocturno. O alarme chegou ao futebol!!!
Fernando Pedrosa
Omeu Amigo, consócio e companheiro Sérgio Abrantes Mendes, reservou ontem o seu habitual espaço neste jornal, ‘O Senador de A BOLA’ para falar de Fernando Pedrosa, o ex-Presidente do Vitória de Setúbal, daquele Vitória de grandes jogos em Portugal e na Europa, realizados no Estádio José Alvalade, de grata memória, a que eu assisti, e ainda não o conhecia pessoalmente. Para além disso, sabia que era um grande amigo de João Rocha, que tudo fez para levar este para presidente do seu Vitória, mas teve de desistir porque alguém, em boa hora, o desviou para a Presidência do Sporting Clube de Portugal. Conheci-o pessoalmente, em 1984, quando, sendo Vice-Presidente das Relações Exteriores acompanhava João Rocha às reuniões dos Presidentes, da Associação Nacional de Clube e depois a Liga, etc... Foi o período mais interessante da minha carreira no dirigismo desportivo, e da qual - di-lo-ei até morrer - guardo uma enorme saudade, e agora mais do que nunca, porque o meu tempo acabou!
Lidei então com os maiores dirigentes dos clubes portugueses, aprendi muito com eles, e com eles mantive sempre grande amizade, independentemente do maior ou menor contacto que mantive com cada um deles. Infelizmente, alguns deles já cá não estão, como Fernando Martins, João Rocha e Jorge Anjinho.
E ao longo destes anos, precisamente 35, sempre foi alimentada pelos dois - Fernando Pedrosa e eu - uma grande amizade. E além deste sentimento, tenho por ele uma enorme estima e consideração. Sempre cultivou a educação, a arte de bem receber, o gosto pela conversa e o convívio. Um Senhor do futebol português, como não há, infelizmente, muitos.
Há alguns anos, Fernando Pedrosa proporcionou-me, como recompensa por um pequeno serviço profissional que lhe prestei, a realização de um desejo meu antigo e que (o meu clube à parte...) foi para mim o maior espectáculo desportivo a que assisti: uma final da Taça de Inglaterra. Foi o último jogo no Estádio de Wembley, antes da sua remodelação: Arsenal vs Newcastle.
Lá fomos para Londres, para o velho Hotel Cumberland, hoje quase a desaparecer (se é que não desapareceu já...) e, ao jantar, decidimos quem seria o clube por que cada iria torcer. Vejam bem que eu escolhi o Arsenal, não obstante equipar de encarnado que não é propriamente a minha cor! Acontece que a minha irmã, já falecida, viveu durante dois ou três anos em Londres, preparando o seu Doutoramento e vivia na zona do Arsenal, bem perto do seu antigo estádio. Isso criou em mim uma certa simpatia pelo clube, não obstante, repito a cor. E assim lá fui de cachecol e boné do Arsenal, enquanto o meu querido Amigo Fernando Pedrosa vestia as cores azuis e pretas do Newcastle.
No dia do jogo, não almoçámos em nenhum restaurante, fomos para o estádio de metro, no meio dos adeptos dos dois clubes, entoando com eles os cânticos da praxe, e acabamos o nosso percurso a comer uns cachorros nas imediações. O jogo foi uma autentica festa, ganhou o meu clube, e, pela primeira vez, vi uma coisa que gostaria de ver aqui em Portugal: os adeptos do Newcastle não arredaram pé até o adversário vir junto deles para receber aquilo que entenderam ser uma merecida ovação! No final da Taça da Liga assisti a algo muito parecido!!!
O regresso foi outra festa entre os adeptos dos dois clubes que se haviam defrontado, ao ponto de, se alguém aparecesse ali de repente, não seria capaz de adivinhar qual das equipas havia conquistado a Taça!...
Ainda hoje, eu e Fernando Pedrosa, continuamos a alimentar o nosso convívio, e curiosamente, vamos tendo amigos em comum, que ainda tornam os nossos encontros mais regulares, à volta de um óptimo peixe, no Verde e Branco, em Setúbal.
Também eu fui convidado por Fernando Pedrosa para assistir ao jogo do Sporting em Setúbal, como vem sendo hábito há muitos anos. Desta vez, razões profissionais impediram-me de mais esse convívio. Mas o Sérgio teve a feliz ideia de não falar do jogo, não porque foi um mau resultado para o Sporting, mas porque relevou o que o futebol tem de melhor e que, nem que seja por breves momentos, nos faz esquecer a podridão que se tem criado à volta dele. Subscrevo - com a licença do Sérgio que sei que dá - tudo o que disse sobre o nosso prezado amigo Fernando Pedrosa e agradeço-lhe a inspiração que me deu para hoje dar aqui o testemunho da minha amizade e gratidão por um tempo em que ele foi um dos responsáveis, e que, na hora em que já vou fazendo o balanço da minha vida, foi um privilégio ter participado!...