O senhor Vaz
VIERA do Belenenses-Rio Ave e, naquele final de tarde a soltar-se de um fogareiro, achei-o estranho - na cara a empregaminhar-se em cor lívida, no traço a retorcer-se, insinuando-lhe o desconcerto. (E era pior...) Não me atrevi, porém, a perguntar-lhe:
- Sente-se bem, sr. Fernando Vaz?
Percebi-lhe mais: a angústia nos olhos perdidos na página em branco - que passou (mas o resto não.) (Olhando-o de soslaio, correu-me pela memória história que ele me contara, sanguíneo, da outra vez em que estivéramos, um diante do outro, à secretária: Agartino Gomes a aterrar em Lisboa com 3500 contos para levar Eusébio para o Vasco da Gama. Para o jogador seriam 500, para o clube 3000. O Benfica exigiu 4110, o Agartino achou de mais, o Eusébio lamentou-se:
- Agora que já estamos afastados do título, era altura ideal para eu ter experiência num futebol diferente...
O título fugira-lhe para o Sporting, o Sporting em fulgor do sr. Fernando Vaz.)
Vítor Santos apercebeu-se do transe que o tomara - e saltou a perguntar-lhe o que se passava. Despreocupou-o - e precipitou-se à casa de banho. Demorando a voltar, Vítor Santos agitou-se mais na inquietação e desatou à sua procura. Antes de tocar a porta do WC, apareceu-lhe o sr. Fernando Vaz com o molhe de folhas (que acabara de escrever lá, com a morte a apoderar-se de si):
- Aqui tens a crónica. Foi difícil, hoje, Mas é uma indisposição apenas… Agora deixa-me ir pôr a andorinha no Académica-Portimonense de domingo…
(Pôr a andorinha era o que ele chamava ao sinal de confirmação na folha com os serviços marcados pelo Chefe.)
E, de Vítor Santos, ouvi o desvelo:
- Deixa lá a andorinha, Não estás de boa cara, precisas de dormir, descansar.
Já era 26 de agosto de 1986 - e soube-se que não chegara a casa, morrera. Morrera não - porque homens como ele nunca morrem. (E não morreu em mim por, nessa noite que lhe saiu da tarde trágica, também me ter ensinado o que é ser jornalista - jornalista de A BOLA...)