O senhor ‘mil jogos’
Rúben Amorim é o único fiel herdeiro de Mourinho que vislumbro, no que faz e no que diz, na força da comunicação e na ligação aos adeptos
GOSTEI de ver o entusiasmo com que o grandíssimo José Mourinho festejou a vitória no jogo mil da sua carreira. Apesar de ter um currículo cheio de títulos importantes, foi com a mesma alegria do primeiro dia que anteontem, na capital italiana, aos 58 anos, correu cem metros à velocidade de um jovem que se quer mostrar ao mundo como treinador sobredotado para o exercício de tão exigente profissão, tal como fez em 2004, no teatro dos sonhos, em Manchester, quando um golo especial, apontado por Costinha, colocou o FC Porto a caminho da final da Liga dos Campeões, que venceria com classe e trazendo para Portugal uma conquista que ainda nos dias de hoje, em espaços de comentário, é encarada como feito impossível de alcançar aos emblemas lusos, como se não tivesse acontecido já neste século.
Não é impossível, não foi e não será, tão depressa o futebol português tenha a felicidade de lhe entrar porta adentro outro Mourinho, com idêntica capacidade para revolucionar o futebol, proclamar novas verdades e tirar do caminho velharias filosóficas.
No curto período de quatro anos, José Mourinho foi dispensado pelo Benfica, recusado pelo Sporting, revelou-se no UD Leiria e ganhou a Taça UEFA (2003) e a Champions (2004) ao serviço do FC Porto. A partir daqui, percebeu que precisava de mais espaço para vencer os desafios que queria suplantar.
Emigrou, teve sucesso em todos os países por onde passou e, naturalmente, não mais voltou. Talvez um dia regresse, se, eventualmente, houver algum objetivo escondido por realizar. Talvez, porque este país periférico, onde o futebol é olhado pelos novos políticos como antro não recomendável a gente de bem, pouco faz por merecer o Mourinho que tem.
Os treinadores portugueses são apreciados pela sua competência quando trabalham no estrangeiro, mas vulgarizam-se quando regressam a casa e ajudam a patrocinar barulhentas relações de bairro, de má vizinhança e sem significado.
Os que nunca de cá saíram, como orientação de trabalho, alimentam-se do que ouvem a essas supostas referências do treino. Os que estão a começar logo se acomodam e caem no erro de copiar o que está feito em vez de descobrirem um caminho novo, tal como Rúben Amorim, o único fiel herdeiro de Mourinho que vislumbro, no que faz e no que diz, na força da comunicação e na ligação aos adeptos: mais dia, menos dia estará a trabalhar numa das principais ligas europeias.
Rúben Amorim, treinador do Sporting
ANTES dos jogos, não sei como classificar o ambiente choramingueiro, quase doentio, de cada vez que o calendário da seleção conflui com jornadas de campeonato que incluem dérbis ou clássicos, como foi o caso recente.
Jorge Jesus voltou a exceder-se ao sugerir o adiamento do jogo com o Santa Clara como se a eventual ausência de um/dois defesas fosse motivo suficiente para duvidar do favoritismo do Benfica na visita ao terreno do 13.º classificado, o qual ficou sem Carlos Júnior, o seu goleador mor, transferido para um clube árabe, além de não poder contar nem com Allano (castigado), nem com Costinha (lesionado), o que em plantel tão espremido faz mossa.
Sérgio Conceição, contra o que é o seu estilo, seguiu a mesma linha de pensamento, afirmando não fazer sentido realizar um jogo de campeonato «nestas condições» e enfatizando os problemas na recuperação dos seus jogadores, com mais de mil minutos em competição e 200 mil quilómetros em viagens.
Rúben Amorim, em contraposição, enveredou por um discurso positivo, motivador e arejado. Ironizou sobre a contagem de quilómetros feita pelo treinador portista e revelou-se feliz por ter podido dispor de 12 ou 13 jogadores no mesmo período de preparação. «Completámos com miúdos e estamos preparados para o jogo», sublinhou.
DEPOIS dos jogos, Jesus esqueceu-se do que afirmara antes, apesar da primeira parte frustrante da sua equipa, por culpa de um desenho tático para o qual não está preparada e muito menos trabalhada. Desta vez, porém, o treinador benfiquista não esperou e ao intervalo tirou Rodrigo Pinho, apesar de ter sido o autor do primeiro golo, colocou Rafa em campo e arrumou Everton, até aí perdido no relvado.
O Benfica transformou-se em equipa grande, quase cada remate, cada golo, e no final Jesus sublinhou que a saída de Pinho não se deveu a lesão, mas a uma decisão técnica. Muito bem, e com essa medida virou o jogo, corrigindo o erro.
Conceição, sem se dar conta, assumiu ter andado a contar histórias da carochinha às pessoas nos dias que antecederam o clássico ao colocar, de início, todos os elementos nucleares e considerados em risco, por cansaço. Afinal, palavra de treinador, todos estavam a cem por cento do ponto de vista físico e… no resto, de que o belo golo de Luis Díaz é prova irrefutável.
Amorim, outra vez em contraciclo, destacou a maturidade portista e aplaudiu o esforço dos seus jogadores. Em relação a ausências forçadas, como a de Pedro Gonçalves, desvalorizou-as, porque o projeto leonino está definido e os riscos assumidos. De outra forma, destacou, o clube estaria a contratar a toda a hora e deixava de apostar na formação, em sibilina alusão à política seguida pelo vizinho da Segunda Circular.
Afinal, nada de especial se passou, como é costume. Mais um cena vulgar promovida por gente vulgar.