O Rúben, o Dalot e o estado das coisas

OPINIÃO01.06.201804:31

Os dois melhores jogadores em muitos anos a sair dos nossos escalões de formação, Rúben Neves e Diogo Dalot, saíram do clube sem terem mostrado na primeira equipa todo o extraordinário talento que têm. Sendo isso o que mais incomoda, ou seja, não ser possível desfrutar e aproveitar, por pouco tempo que fosse, das suas qualidades, acresce que foram vendidos por valores muito baixos quer seja face à situação de mercado quer à valia intrínseca dos dois rapazes.

As histórias das suas saídas são diferentes. O Rúben tinha um contrato que não estava a terminar e, estou certo, apenas saiu por aquela verba e naquele momento por que o FC Porto vivia um aperto financeiro muito sério - estou convencido, porém, que o preço inflacionadíssimo que o Milan pagou por André Silva teve que ver com a quantia reduzida que encaixámos pelo genial Rúben. Seja como for, ainda hoje penso que a sua venda prematura foi um erro e que o seu valor merecia a busca de outras soluções para as dificuldades económicas. Sendo fácil agora afirmar que o rapaz foi vendido ao desbarato, também ninguém pode dizer que não existiam indícios evidentíssimos do talento do rapaz.

Já o Diogo Dalot apenas tinha mais um ano de contrato e, claro, os riscos de sair a custo zero eram gigantescos. Não é de agora que penso que a estrutura do FC Porto se devia ter precavido desta eventualidade. Não foi nem no ano passado nem no anterior que se tinha percebido o jogador que ali estava. A situação arrastou-se - existirão razões, bem entendido - e vemo-nos privados de ver uma época que seja, na sua posição, um rapaz que chegará muito longe no futebol mundial. Para piorar, sujeitamo-nos a vendê-lo por um valor que está longe do seu valor real e a quilómetros do seu potencial. Em face disto torna-se quase irrelevante o facto de um momento para o outro ficarmos sem soluções para o lado direito da defesa.

Como não gosto de começar análises sem que primeiro olhe para dentro de minha casa, critico o que penso não terem sido as melhores opções. Mas há mais lados e muito provavelmente bem mais importantes para perceber o problema.

Vamos agora levantar a hipótese do Rúben e do Dalot terem sido irredutíveis na vontade de sair. Que os nossos dirigentes fizeram tudo para que eles se mantivessem, quer em termos de salariais, quer tentado persuadir os rapazes e os seus empresários de que mais um ou dois anos connosco lhes iriam fazer bem e que veriam o seu próprio valor aumentado (de amor ao clube nem vale a pena falar depois de ter visto as juras de amor do Dalot, há quinze dias, darem nisto). Mais, que no caso do Dalot os dirigentes do FC Porto as tentativas já tivessem sido feitas há, pelo menos, dois anos.

Este cenário pode ou não ter acontecido no caso dos jogadores em causa, mas que pode surgir ou mesmo já ter surgido noutras situações é evidente. E se já levantava questões quando o mercado não andava tão aquecido, mais acuidade estes problemas têm quando 20 milhões são, para alguns clubes, uma espécie de dez mil réis de mel coado de outros tempos.

Desde logo o caminho que toda a gente aponta para os nossos clubes, o de serem formadores, cai por terra. No mínimo, cai a tese de que os clubes podem manter alguma competitividade apostando nas suas escolas. Se mal acabam as suas carreiras nas camadas jovens os jogadores são imediatamente retirados aos clubes, estes passam a não ser mais do que umas meras barrigas de aluguer para os colossos europeus, sem qualquer perspetiva de vir a competir com estes. E é preciso ser dito que grandes cláusulas de rescisão e contratos por muitos anos são apenas paliativos - não esquecendo que assinar por muitos anos com um rapaz muito novo é sempre um risco que um clube que não seja rico dificilmente pode correr. O facto é que é quase impossível aguentar um rapaz de 18 ou 19 anos a quem se oferece vinte ou trinta vezes o salário que recebe.  

É legítimo pensar se fará sentido um grande investimento na formação. Os custos são elevadíssimos e mesmo que aconteça uma venda significativa por ano, coisa que está muito longe de poder ser dada como garantida, isso não pagará a despesa acumulada - basta fazer bem as contas. Mas se para um clube de média dimensão o modelo pode até fazer sentido, para um clube como o FC Porto isso não pode acontecer.

As instâncias internacionais, sempre tão preocupadas com o fair-play financeiro, estão a matar o jogo criando as condições objetivas para que os clubes formadores desistam dessa área fundamental da indústria. Mesmo a vontade não declarada, mas evidente, de fazer um futebol apenas de gigantes endinheirados é posta em causa quando não se protegem os clubes que produzem a essência fundamental do jogo que amamos: os jogadores

 

É demasiado fumo

 

Não me importo rigorosamente nada de repetir aquela que é uma das bases essenciais do Estado de Direito: a presunção de inocência. E é por ter tanto respeito por este instituto fundamental que me permito exigir uma investigação rápida e conclusiva a todos os indícios e suspeitas graves que recaem sobre um dos principais clubes portugueses.

Não acredito que haja um único benfiquista que não se sinta muito preocupado com a sequência que parece não ter fim de suspeitas de condutas criminosas, de arguidos acusados de corrupção, de jogadores que afirmam ter sido aliciados para perder, de investigações judiciais a dirigentes do clube. Como também não creio que, apesar dos esforços do especialista em embustes Luís Bernardo, sequer o mais fanático adepto do Benfica pense que tudo isto não passa de uma conspiração.

Só espero não ter de ouvir pela milionésima vez a história gasta de que «a culpa é do ambiente do futebol português». Não, não é. Há suspeitos identificados, há indícios e não são sobre todos os clubes nem sobre todos os dirigentes. Quem aparecer a defender que o mal é geral  e a culpa é do ambiente estará só e apenas a ajudar a criar uma ficção que inevitavelmente beneficiará os infratores. Espero que não seja esse o propósito, mas tenho que respirar muito fundo para o conseguir escrever.

Como dizia alguém que foi gozado mas, pelos vistos, sabia do que falava: investigue-se.