O retrato

OPINIÃO06.12.201903:00

ACUÑA é um dos bons jogadores do plantel do Sporting. Não é difícil, aliás, perceber que Acuña é um jogador bem acima da média na equipa leonina. Tem caráter, é muito competitivo, joga com muita intensidade, sabe-se como não é fácil encontrar um esquerdino com a raça, a qualidade técnica e a capacidade de se envolver no jogo que tem Acuña, e tudo isso faz deste argentino um jogador bom, e por ser um jogador bom é que está frequentemente entre os eleitos da seleção argentina, e ainda em novembro esteve em campo nos dois particulares, com Uruguai e Brasil.
Mas apesar de ser boa solução para qualquer plantel - mais ainda num plantel com tão poucas soluções de grande qualidade como é, visivelmente, o dos leões - a verdade é que Acuña rapidamente se transforma também num problema por causa do temperamento que tem. Leva o seu envolvimento longe de mais. Pisa o risco demasiadas vezes. E ultrapassa o limite, castigando os companheiros e a equipa.
Falta-lhe o controlo emocional e o equilíbrio para se tornar um jogador fantástico; e sendo internacional argentino, a qualidade técnica e a fibra de Acuña podiam levá-lo a outro nível. Mas estraga tudo com o temperamento e o desequilíbrio emocional.
Confesso que, ainda recentemente, me pareceu ver Acuña moderar a sua atitude. Precipitadamente ou não, podia até especular-se que Acuña teria percebido como era fundamental controlar as emoções e conseguir manter-se equilibrado durante todo o jogo se quiser, porventura, poder aspirar dar o salto para uma das mais competitivas ligas europeias.
A verdade é que o jogo desta semana, o segundo do Sporting em Barcelos no curto espaço de quatro dias, voltou a mostrar o Acuña de sempre, um jogador que gasta tanta energia a discutir (com o árbitro, com os adversários, às vezes até com os companheiros) como a jogar, e muitas vezes bem, comprometido com o jogo, capaz de arrancar demoníacos cruzamentos como poucos jogadores fazem na Liga.
Apesar de ser, de raiz, um extremo, mas também com forte jogo interior e boa capacidade defensiva - absolutamente essencial no jogador moderno -, Acuña tem jogado muitas vezes no Sporting (e, até, na seleção argentina) a lateral-esquerdo - como ainda neste dois últimos jogos dos leões em Barcelos - mas conseguindo ser, volto a sublinhar, muito forte defensivamente, também é verdade que jogar com Acuña a lateral-esquerdo acaba por ser um elevado risco, porque o próprio Acuña… arrisca de mais, e, pelo temperamento que tem, por jogar tanto e tão descontroladamente no limite, quase arrisca cometer um penálti por jogo!
Sendo, assim, perigosamente, tão depressa solução como problema, Acuña arrisca ainda diminuir o seu impacto no chamado mercado internacional. Gera menos retorno desportivo do que seria desejável, e pode gerar muito menos retorno financeiro do que o Sporting precisaria.
No fundo, involuntariamente, Acuña acaba por se tornar uma espécie de retrato do que é, hoje, o estado da equipa do Sporting, a tentar equilibrar-se no fio de uma navalha.
Não bastava ao leão estar em quarto da Liga, com tão significativo atraso já para o líder, não lhe bastava a irregularidade, a falta de confiança, a escassez de soluções e a reconhecida pouca qualidade do plantel, a sucessão de treinadores, a fraca química que transparece do grupo, não lhe bastavam os problemas financeiros, as notícias de mais uma indemnização a pagar a outro treinador despedido, não lha bastava a guerra com as claques ou o julgamento do caso Alcochete, como ainda olha para dentro do campo e é obrigado a ver o capitão Bruno Fernandes cada vez mais sozinho a remar contra a maré.
Os problemas na casa do leão são tantos que, na realidade, não é nada fácil encontrar soluções. Nem para os dirigentes quanto mais para os responsáveis técnicos.
Talvez o Sporting precise, duma vez por todas, de descobrir se o maior dos seus problemas é conjuntural, que possa resolver-se trocando simplesmente de treinadores ou jogadores, ou se é estrutural, e justifique então medidas de fundo, muito pouco populares, como se sabe, mas, porventura, bem mais úteis ao futuro do clube. Só a direção e os sócios podem escolher o caminho.
Mas também as consequências!