O Restelo e a pedreira do diabo
Sessenta e cinco anos depois da inauguração de um estádio lindo, mas que causou danos trágicos ao clube, os belenenses estiveram em festa
TINHA apenas quatro anos de idade. Via da minha janela os miúdos mais crescidos, lá do bairro, a jogarem à bola prensada de papel e cartão com balizas nas sarjetas e, nesse tempo, passava um carro de duas em duas horas na Travessa da Memória. Quando ouvia o estrondo medonho do dinamite a rebentar a pedreira, o prédio estremecia e eu fugia para o pé de minha mãe, à procura de proteção e de me refugiar do medo que sentia. Para mim, era, apenas, a pedreira do diabo, mas os belenenses andavam orgulhosos com o seu novo estádio, uns metros acima da histórica Casa Pia, que também foi casa de muitos belenenses.
Curiosamente, o meu pai não parecia sentir especial orgulho no novo estádio e também não via que o horizonte do clube fosse mais azul. Para ele, que sempre foi do bairro de Belém e teve amigos de juventude na Ajuda, tirar o Belenenses das Salésias era um exílio perigoso, porque o Restelo sempre esteve do outro lado da fronteira do bairro, era zona de meninos ricos, que não sentiam o clube como os rapazes e as raparigas de Belém e da Ajuda.
À medida que o estádio se foi construindo, os rebentamentos na pedreira tornaram-se insuportáveis e a causa dos que tinham desejado lutar com mais determinação e coragem contra a saída das Salésias tornou-se mais popular e ganhou adeptos. Mais ainda quando se percebeu que os custos descambavam, todos os orçamentos rebentavam a cada carga de dinamite e a construção se tornaria incomportável.
Mesmo assim, quando em setembro de 1956 o estádio foi inaugurado, os belenenses esqueceram, de uma vez os perigos daquele súbito gigantismo, a morada de meninos ricos e o custo impagável da obra, porque o estádio era lindo, tinha o azul do Tejo em fundo, permitia-nos olhar para o horizonte no mar e cada belenense se achou a bordo de uma caravela com o mundo por conquistar.
O meu pai também perdoou e aceitou desfilar na grande festa da inauguração, integrado na equipa de natação do clube, com o Zé de Freitas, o Armando, a Cidália, o Humberto Azevedo (hoje, o sócio número um do clube) e muitos outros companheiros de travessias do Tejo e de braçadas no famoso caldo verde, na Calçada do Galvão, onde eu aprendi a nadar.
Confesso que me lembro mal dos atos solenes, devo ter andado a correr, irrequieto, nos corredores do estádio, mas sei, porque os meus pais me contaram, que eu tinha estado na inauguração do novo estádio, onde, aliás, a família se apressou a garantir os seus lugares cativos. Não falhava um jogo no Restelo. Ia vê-los todos, com o meu primo Hélder, e, para mim, cada domingo a ver o Belenenses era um dia de festa. Vi, assim, muitos Belenenses-Sporting e a verdade é que depois do Sporting ter tirado o título ao Belenenses, para o oferecer ao Benfica, o Sporting se tornou o adversário a quem os belenenses mais queriam ganhar.
Ontem, 65 anos depois da inauguração do Restelo, o Sporting regressou, como adversário, para jogar com um Belenenses ainda convalescente, frágil e traumatizado. Na verdade, o clube nunca recuperou do impacto financeiro daquela loucura de transformar uma pedreira do diabo num estádio com a cruz de Cristo. Chegou à exaustão, à luta desesperada pela sobrevivência, o que o levou a cometer erros que estiveram perto de serem irreparáveis e que ainda não se sabe bem como vão acabar. No entanto, conseguiu reanimar-se, voltar a ter esperança e chegar a uma competição nacional, que lhe permitiu voltar a receber o Sporting, no Restelo. Fosse qual fosse o resultado, este seria sempre um dia bom para os belenenses.
Restelo voltou ontem aos grandes jogos
SEM ÁRBITROS PARA SE DISCUTIR
Pedro Henriques, a par de Duarte Gomes, um dos nossos mais informados e completos comentadores de arbitragem, dava conta na última Quinta da Bola como o International Board estará pronto para acolher mais intervenção das tecnologias no apoio às decisões dos árbitros, em especial, através de uma informação imediata sobre foras de jogo cuja regra, entretanto, deverá também conhecer alguns ajustes, no sentido de favorecer mais quem ataca. Qualquer dia acabam-se as discussões sobre arbitragem. E isso será mau ou bom?
OS 90 ANOS DE GERMANO SILVA
O Germano fez noventa anos. Devo confessar que o número redondo me surpreendeu e me preocupou. Depois pude vê-lo na televisão, com aquele seu ar eternamente jovial, sempre apaixonado pela História da sua cidade, o Porto, e descansei. O Germano Silva está igual a si próprio e continua a ter no sangue o grande jornalismo que o ajudou a ser grande entre os maiores de uma fantástica geração do Jornal de Notícias, que eu tive o privilégio de conhecer e de privar. Trocámos mensagens e promessas de reencontros. Foi bom.