O refém Sporting
O que acontece a uma grande instituição como o Sporting Clube de Portugal não diz respeito apenas aos seus sócios e adeptos. Só eles podem resolver os eventuais problemas, mas as repercussões atingem todo o edifício desportivo e, se tiverem a importância que os últimos acontecimentos tiveram, dizem respeito mesmo a toda a comunidade.
Tenho pouco mais a dizer sobre o atual presidente do Sporting, já aqui escrevi sobre ele abundantes vezes. Os seus mais recentes desempenhos e as consequências dos seus atos apenas me surpreendem pela dimensão trágica. Repito, somente, que as consequências do seu desempenho vão deixar marcas profundas no clube que demorarão muito tempo a sarar.
Há quem se espante por um homem com as características de Bruno de Carvalho ter aparecido no Sporting. Há, porém, razões objetivas para que isso tenha acontecido.
Uma, por ventura a principal, tem a ver com o facto de os sócios e adeptos do Sporting estarem convencidos que o seu clube é, no que diz respeito ao futebol profissional, algo que de facto não é.
O Sporting é uma extraordinária instituição, uma referência mundial em vários desportos, uma potência mundial na formação (não será necessário dar muitos exemplos, basta olhar para a Seleção Nacional e verificar quantos dos atletas foram criados no clube de Alvalade), um gigante em termos de adeptos, mas o seu gigantismo não se reflete nos resultados do seu futebol profissional.
Para o Sporting o título de campeão nacional é uma raridade. O clube é reconhecido internacionalmente por dar grandes jogadores ao futebol, mas não por os seus desempenhos no campo. Nos últimos 50 anos o Sporting foi 6 vezes campeão, nos últimos 40 foi 4 e em 30 foi 2. Ou seja, a tendência de derrota tem-se acentuado. Os seus sócios e adeptos não conseguem perceber o facto de pertencerem a um grande clube e dele não lhes dar os títulos que a sua grandeza exigiria. A cada ano que passa mais o desespero e a incredulidade aumentam. Daí a culparem tudo e todos vai um passo de um anão. São os dirigentes que não gostam o suficiente do clube ou não são competentes, são os treinadores que são todos maus, são os jogadores que não mostram empenho. Mesmo os sócios e adeptos que se distinguem na sociedade noutras atividades, os designados barões, tão apaixonados pelo seu clube como qualquer cidadão com menos notoriedade, são arrastados para a disparidade entre a grandeza do clube e a dura realidade de não conseguir ganhar. De tudo isto ao aparecimento de um vendedor de quimeras é um piscar de olhos.
No fundo, o Sporting é refém do seu gigantismo.
Bruno de Carvalho, autodesignado presidente-adepto, é, de facto, a encarnação do adepto que não consegue viver com a realidade - para brutal azar do Sporting, esse está longe de ser o seu único defeito, muito pelo contrário. Para ele a culpa da derrota será sempre do pouco empenho dos jogadores, da incompetência do treinador ou dos erros dos árbitros. A noção de que é preciso fazer um caminho, de construir infraestruturas, de criar uma cultura de vitória e que tudo isso leva tempo é-lhe completamente alheia. Ele - e muitos outros dos seus consócios - está convencido que há uma espécie de direito divino à vitória.
Não é em vão que surgiram tantas reflexões sobre o fenómeno populista. No fundo, o que acontece ao Sporting é o mesmo que acontece às comunidades que não veem os seus problemas resolvidos e consideram que meia dúzia de soluções aparentemente evidentes resolverão problemas complicados. Estamos a viver isso em vários locais do mundo: o problema são os imigrantes, a corrupção, os políticos tradicionais. Claro, o fim de tudo isto será trágico e nem sequer podemos dizer que é novo, já aconteceu noutras épocas e nem sequer muito distantes.
Bruno de Carvalho é um sintoma, extremo claro está, de um clube que nega a sua realidade. Apesar do estertor do presidente do clube ir provocar ainda gravíssimos danos (presentes e futuros) ao Sporting e ao futebol português, sairá muito em breve. No entanto, se o Sporting como instituição e a sua imensa massa de adeptos não perceber que é preciso tempo para gerar competências, que não há soluções fáceis e que os vendedores de quimeras destroem rapidamente o que tanto tempo levou a criar, outros Brunos se seguirão.
Amigos, mas não como dantes
Tirando as últimas semanas, Bruno de Carvalho liderou o clube durante cinco anos sem praticamente nenhuma contestação. Contam-se pelos dedos de uma mão os que nunca se conformaram - destaco o meu colega de Tribuna de Honra, Sérgio Abrantes Mendes.
Aliás, chega a ser penoso ver gente que há literalmente meia dúzia de dias batia no peito pelo homem dizer agora dele o que o muçulmano não diz do toucinho.
Agora, alguns dos seus maiores aliados mudaram a natureza do seu apoio. Assistir a Álvaro Sobrinho - suspeito de um desvio de dinheiro tão grande que ajudou, e muito, a um terramoto na economia portuguesa - e José Maria Ricciardi - um caso extremo de distração na gestão de empresas do grupo Espírito Santo - como líderes de uma facção que contesta o atual líder do Sporting é o exemplo de que as ajudas podem ser dadas de várias formas.
Mais, o autêntico auto de fé a que está a ser sujeito Bruno de Carvalho, com programas televisivos sem o mínimo de contraditório em que se passam horas a bater no ceguinho, servem apenas para o ajudar a vender a imagem de mártir. É, aliás, curioso ver alguma comunicação social que nunca se preocupou em saber de onde tinha surgido Bruno de Carvalho, o que tinha feito na vida, que pactuou com todas as suas baixarias e desvarios a promover o auto de fé.
Entretanto, num país distante
Num país distante em que um funcionário judicial está preso preventivamente por passar informações a um clube de futebol chamado Benfica, soube-se que as vítimas, árbitros e outros, foram chamados a constituir-se como assistentes num processo onde o principal arguido é Paulo Gonçalves. Este mesmo senhor, braço direito e esquerdo do presidente do clube, continua a representar o Benfica em vários atos públicos.
Rui Gomes da Silva é capaz de ter razão quando diz que Bruno de Carvalho é o primeiro apoiante de Luís Filipe Vieira.