O recado!

OPINIÃO23.09.202206:30

Por mais que nos custe, Cristiano Ronaldo tem direito a isto e a muito mais...

COMO parecem longe os tempos em que se escrevia que o balneário do Manchester United queria ver Cristiano Ronaldo pelas costas. Em Inglaterra, chegou mesmo a anunciar-se que Cristiano tinha de tomar o pequeno-almoço isolado, num canto, à margem de todo o grupo. Longe parecem, na realidade, os tempos em que os media ingleses, sobretudo os media ingleses, condenaram Cristiano Ronaldo à condição de excomungado em Old Traford, e tudo serviu (com histórias mais verdadeiras ou histórias mais falsas) para evidenciar o erro que Cristiano terá cometido - e julgo, sim, que cometeu - ao afastar-se do clube e dos adeptos que tanto carinho sempre lhe dispensaram, e ao abrir tanto a porta à especulação, por cada dia a mais que demorou a regressar ao trabalho, e por cada dia a mais que deixou no ar a ideia de querer deixar Manchester.

No fim, ficou, na verdade, a ideia azeda de um divórcio que apenas não se concretizou porque  Cristiano não encontrou solução suficientemente forte para partir, e teve, assim, de se resignar a ficar numa cidade que lhe recordava - a ele e à companheira e mãe de dois dos filhos - momentos de profunda tristeza, e num clube que nem sequer tinha a presença na Liga dos Campeões para o seduzir e fazer esquecer o que ele não queria lembrar - a morte prematura de um dos gémeos que Georgina deu à luz.

A essa realidade, porém, foi-se juntando um rol de histórias, no mínimo, difíceis de imaginar, como a de Cristiano se ver obrigado a comer sozinho no centro de treinos do United, como se fosse crível que todos os companheiros virassem costas a uma figura da dimensão de Cristiano Ronaldo, por muito que possam, até, nem gostar da personalidade de Cristiano ou da forma dele estar no grupo. Há, sobretudo num balneário de futebol profissional, gente de que se gosta e não se gosta, amizades e indiferenças, proximidades e distâncias, mas isso não tem obrigatoriamente de significar menos espírito de grupo ou menos compromisso com os objetivos do coletivo.

Claro que se acredita, evidentemente, que o afastamento a que o próprio Cristiano Ronaldo se remeteu no arranque desta época não terá caído propriamente bem, se não em todos, pelo menos em boa parte dos companheiros no Man. United, porque qualquer grupo é sensível à instabilidade provocada, a dada altura, por não se saber se Cristiano ficaria ou não na equipa, quando a equipa já se preparava para enfrentar o duro início das competições oficiais.

Mas a ideia que me parece ter sido criada era a de que Cristiano começava a ser visto no Manchester United como uma espécie de malfeitor, alguém que estaria a fazer tanto mal ao clube e aos companheiros que só podia esperar que o clube e os companheiros lhe virassem costas. Alguns, terão até aproveitado para, além de malfeitor, o darem como condenado e acabado, ao ponto de se argumentar com o cenário de nenhum outro grande clube europeu o querer.
 

DEVEMOS reconhecer que Cristiano não deixou, na realidade, de contribuir para todo o clima tóxico que se criou, a dada altura, à sua volta, e creio mesmo que falhou a comunicação do jogador ou, eventualmente, a comunicação de quem, do ponto de vista estrutural, está presente na gestão da vida profissional do jogador. E a coisa ficou ainda mais confusa, parece-me, quando o próprio Cristiano, a meio de agosto, revelou numa rede social, a intenção de abrir o jogo. 

«Saberão a verdade quando der uma entrevista daqui a umas semanas. Os media só dizem mentira. Tenho um livro de notas e, nos últimos meses, das 100 notícias que fizeram, só acertaram cinco».

Estamos quase em outubro e Cristiano ainda não falou. Começou, entretanto, a jogar, voltou à titularidade no Man. United - pudera, se ele é ainda melhor do que os outros avançados -, porque sempre pareceu uma questão de tempo e de recuperar toda a sua melhor condição física - Erik ten Hag, o seu treinador, sabe bem que os golos de Ronaldo vão aparecer… - e, por enquanto, a coisa serenou. Já se divulga, aliás, que Cristiano ganhou uma nova alcunha no balneário do United, onde os companheiros, por iniciativa do argentino Lisandro Martínez, o tratam agora por El Bicho, tendo, portanto, passado de excomungado, como nunca, a admirado, como sempre.
 

S EM mais por onde lhe pegar e quando a coisa parecia estar a serenar, eis que esta semana os mais críticos de Cristiano Ronaldo voltam a ter assunto para o alvejar, e só porque na recente Gala das Quinas, promovida e organizada pela Federação Portuguesa de Futebol, Ronaldo parece ter tido o descaramento de se «autoconvocar» para o próximo Mundial, já ao virar da esquina, no Catar, mas também para o Europeu de 2024, cuja fase final vai jogar-se na Alemanha. 

Falando de uma «seleção de jovens com muito talento», Cristiano sublinhou querer fazer parte desse «futuro», numa afirmação que deveria ser vista, na minha opinião, como muito positiva vinda de um jogador que já deu tanto à Seleção, mas que acaba, no País que somos, por ser vista, quase sempre, da forma errada, a meu ver, sobretudo quando se pretende criar sobre Cristiano Ronaldo a errada ideia de ter uma espécie de poder absoluto na equipa das quinas.

Cristiano Ronaldo não ofendeu ninguém, não faltou, sequer, ao respeito a ninguém, não humilhou ninguém, não denegriu ninguém, não atacou ninguém, apenas disse, imagine-se, que vamos ter levar com ele mais uns aninhos, porque ele vai fazer certamente tudo para estar em condições de se contar com ele.
 

NESTE Portugal às vezes tão pequenino, parecemos continuar a conviver mal com o sucesso dos outros, e nem a grandeza de Cristiano Ronaldo nos impede de lhe atirarmos umas pedras só porque ganhou, por estatuto, dimensão, impacto e importância, o direito de se achar o melhor. Porque é, na realidade, o melhor!

Mas não foram só as palavras de Cristiano que se tornaram notícia na gala federativa. Também o nosso outro Cristiano Ronaldo, Ricardinho, do futsal, se viu envolvido numa disparatada polémica. Elogiando a Seleção que acaba de conquistar mais um título internacional para o futsal português, Ricardinho disse que, «como se vê», a decisão de se afastar da equipa nacional para dar lugar aos «mais jovens» foi a mais acertada.

Claro que as más-línguas logo foram capazes de associar a expressão de Ricardinho a um recado para Cristiano Ronaldo, e obrigaram mesmo Ricardinho a vir, ontem, esclarecer publicamente a questão, através das redes sociais. Admitir, na verdade, intenção de Ricardinho ferir Cristiano Ronaldo é mesmo não conhecer minimamente a personalidade de Ricardinho e muito menos a admiração que um tem pelo outro.

Já intencional, sim, parece-me ter sido, na transmissão televisiva da gala feita pelo canal 11 - ligado à própria Federação - a decisão, porventura do realizador, de pôr no ar o plano de Cristiano Ronaldo no preciso momento em que Ricardinho recordava a boa decisão de se ter afastado da equipa nacional de futsal para dar lugar aos mais jovens.

Alguém estava, afinal, a dar um recado a Cristiano?!
 

RAFA tomou a decisão de renunciar à Seleção Nacional. Alegou razões pessoais e todas as razões pessoais são respeitáveis desde que não interfiram com terceiros nem ponham em causa o bom funcionamento de organizações ou instituições. Rafa fê-lo da forma correta. Esteja mais ou menos magoado, tenha mais ou menos razão.

A verdade é que, há sensivelmente um ano, foi tornado público que Rafa gerava desconforto no interior da Seleção e da Federação por alegada «falta de compromisso» e «personalidade complicada», e nenhum responsável da Federação ou da Seleção o veio desmentir.

Se foi ou não um recado, a realidade é que Rafa não mais voltou, até agora, a ser convocado para a equipa das quinas. E perante esta convocatória, tomou a decisão de renunciar de vez. Talvez seja mais difícil aceitar do que compreender a decisão do jogador do Benfica, admito. Mas ninguém deve ser condenado por, eventualmente, se sentir a mais onde está, ou seguir, de forma correta, a sua consciência, apenas compreendida, até ver, pela ex-estrela Ricardo Quaresma, que admitiu ter-lhe chegado a passar o mesmo pela cabeça. Rafa decidiu, está decidido. 

E talvez não venha a ter a mesma sorte de outros, que mesmo depois de abandonarem o estágio, como fez em 2011 Ricardo Carvalho, batendo com a porta sem dar cavaco a ninguém, voltaram, três anos depois, a ser convocados por selecionador diferente, ou Luís Figo, que, por motivos certamente bem diferentes, renunciou após o Euro-2004, para voltar no Mundial-2006, depois de lhe terem pedido, a ele e a todos os santinhos, que ajudasse a equipa na competição realizada na Alemanha como ele realmente ajudou, até às meias-finais, melhor presença de sempre de Portugal num Mundial depois do 3.º lugar em 1966.