O que se espera do campeão europeu

OPINIÃO12.06.202107:00

Com os jogadores que tem, gostaria de ver Portugal não abdicar da sua expressão artística. Se o fizer, acho que será um crime de lesa-futebol

ABRIU, enfim, o Campeonato da Europa de futebol. Com um ano de atraso em relação à data prevista e, mesmo assim, com uma assinalável sensação de esperança de que se esteja, de facto, a caminhar para o sucesso humano nesta guerra intensa e traumática contra um vírus do qual ainda não estamos livres, que invadiu o mundo, matou milhões de pessoas, arrasou famílias e deixou exposta uma sociedade de grandes insensibilidades sociais, em particular, em relação aos velhos.
Portugal é, por isso, o detentor do título desde há cinco anos e entrará, na próxima terça-feira, no seu jogo inaugural, em Budapeste, não apenas acompanhado do apoio e da legítima expectativa dos portugueses, estejam eles onde estiverem por esse mundo, mas com a curiosidade universal dos adeptos do futebol. Porque é o campeão em título e, por isso, aquele que surge no topo da lista a desafiar pelos novos pretendentes e, sobretudo, porque tem uma Seleção de valores conhecidos e reconhecidos, o que a torna famosa e admirada nos cinco continentes.
 

TALVEZ seja importante referir este muito especial estatuto da Seleção de Portugal, na medida em que iremos sugerir algo de menos previsível, obviamente mais arriscado, mas, ainda assim, algo de mais sonhador. É que, na verdade, uma Seleção campeã da Europa, a defender o seu título, tem de assumir, a meu ver, mais responsabilidades. E se Portugal conquistou esse título histórico e invejável ultrapassando, com exibições económicas, adversários que, à partida, pareciam não mais do que de médio risco, até chegar à final com a França, que venceu num jogo para nós inesquecível, mas que não irá ficar na História das grandes finais do futebol  mundial, agora foi condenado a um grupo terrível, que o obrigará a jogar o primeiro jogo com a Hungria, num estádio com mais de 60 mil húngaros eufóricos (deve fazer confusão jogar assim depois de uma época inteira de estádios vazios), o segundo jogo com a poderosa Alemanha, em Munique, e, por fim, nesta fase de grupos, o terceiro jogo com a França, talvez a melhor seleção mundial, no momento, num regresso a Budapeste. E a ser assim, Portugal, os seus jogadores e os seus principais responsáveis terão de entender que vão precisar de mais futebol, mais qualidade e mais personalidade do que aquela de que precisou há cinco anos, em França.
O que se aconselha, pois, é que a Seleção portuguesa, que tem extraordinários jogadores, com elevada experiência em jogos de elite, não seja, apenas, uma equipa taticamente obediente, estrategicamente contida, espiritualmente pobrezinha de sonhos e do virtuosismo que se deve exigir a um campeão que, além de defender o seu título, defende o seu prestígio e a sua belíssima imagem.
 

Fernando Santos, selecionador nacional

E U bem sei que não é fácil convencer Fernando Santos de se tornar um treinador de risco ou, mesmo, de entusiasmos perante o que é menos objetivo no futebol. Fernando Santos tem uma personalidade muito especial e coerente, como líder e como homem. É um pragmático e, para ele, pode ter os melhores jogadores do mundo que continua a preocupar-se, em exclusivo, com o resultado.
No entanto, não é Fernando Santos que escreve esta crónica, sou eu, e não consigo deixar de dizer que gostava de ver, neste Europeu, um Portugal que não abdicasse da sua expressão artística, porque, no fundo, sou um romântico deste jogo e penso que é um crime de lesa-futebol ter dos melhores jogadores do mundo e não ousar pintar o melhor quadro.
 

A MORTE DE UM HOMEM ALEGRE

Morreu o Neno. Todas as notícias de mortes, principalmente quando se trata de pessoas que nos prometiam longa vida, são tristes e angustiantes. Esta notícia foi, para mim, profundamente chocante. Raramente encontrei alguém, no futebol e fora dele, com tanta alegria de viver e que tanto prazer tivesse em dar alegria a quem com ele estivesse. O Neno era transversal a clubes e a cidadãos. Por ele, o futebol e a vida seriam, sempre, uma festa e um lugar bom para se estar. Por isso, o futebol e a vida ficaram agora mais sombrios.
 

A ARTE DE RICARDO GALVÃO

Como é da tradição, A BOLA lançou os seus Cadernos do Europeu de futebol. É um tipo de publicação de informação útil, que continua a fazer todo o sentido, mesmos nos tempos em que o digital vai conquistando mais espaço e, sobretudo, mais leitores jovens. Mas o que eu gostaria, verdadeiramente, de assinalar é que esta é uma edição francamente invulgar e que merece ser comprada e guardada. As caricaturas de Ricardo Galvão são absolutamente imperdíveis. De tal forma que torna estes Cadernos numa edição de autor.