O que Rúben tem de parecido com Messi
HÁ uns anos, era muito comum dizer-se que, no futebol, o dirigente dirigia, o treinador treinava e o jogador jogava. Assim simples, óbvio, sem intromissões, cada qual com o seu papel. Mas, como escreveu o inigualável Luís de Camões, todo o mundo é composto de mudança. E até no futebol, onde o mundo muda mais lentamente, o que era uma evidência que não se discutia, tomou novas qualidades.
Vale a pena olhar para o que se está a passar no Barcelona, um dos maiores e mais mediáticos clubes do mundo. Com a decisão da saída de Luis Suárez, reacendeu-se a guerra entre Leo Messi e os dirigentes do clube. Pior, tornou-se irrespirável a relação de Messi com o novo treinador Ronald Koeman.
Messi tornou público que Suárez não merecia ter sido expulso do Barcelona, depois de tudo o que tinha feito no clube. A própria imprensa catalã deu conta da indignação do argentino e não fosse a quase omnipresença do assunto Covid, em Espanha não se falaria noutra coisa.
Messi é senhor da casa, ele próprio já anunciara a sua vontade de sair por divergências inultrapassáveis com o presidente e com o seu novo treinador. Voltou, agora, aos palcos dos media mundiais para defender Suárez e criticar abertamente a decisão de o mandarem embora.
O jogador já não se limita, apenas, a jogar. Sobretudo o jogador que ganha estatuto de capitão e uma dimensão universal.
É curioso, a propósito, que haja quem também questione a influência abrangente de Cristiano Ronaldo na Seleção Nacional. Tal como é de uma sensatez exemplar a forma como Fernando Santos tem sabido lidar com esse tema, tanto internamente como nas declarações públicas.
Não, definitivamente, há jogadores que não se confinam à missão de jogar. Porque ganham estatuto, porque provam o seu valor, os seus princípios, a sua importância no grupo. Não compreender isso e manter a velha tradição é não entender o que Camões já entendia há quinhentos anos.
É por isso que todos os grandes clubes precisam que os seus melhores e mais emblemáticos jogadores se envolvam, se interessem, desenvolvam capacidades essenciais de liderança.
Por vezes, pode parecer difícil de definir as linhas vermelhas que marcam a diferença entre a cooperação e a intromissão abusiva. Depende, sempre, dos líderes e das suas reais capacidades de liderança. No futebol, mas não só, um líder não se pode sentir ameaçado pela influência de quem, pelo exemplo e competência, ganha um estatuto de especial respeitabilidade entre os seus. Pelo contrário, deve aproveitar, tirar partido, juntar qualidades, porque isso nunca o impedirá de, em última análise, ser ele a decidir.
O que não me parece possível é que uma equipa de futebol, mesmo com a grandeza de um Barcelona, resista à inclemente guerra civil em que está envolvida.
Virando a ocidente no rumo ibérico, falemos da hipótese do Benfica negociar Rúben Dias. Jesus lembrava que é o único jogador do Benfica que é titular da Seleção Nacional. Mas é mais do que isso. É, com as devidas proporções em relação a Messi, o senhor da casa. Tem estatuto, tem autoridade, tem influência, não é, apenas, um jogador de futebol. Claro que o Benfica poderá sentir uma necessidade imperiosa de fazer, com Rúben, o negócio que não poderá fazer com mais ninguém, mas tem de ter a noção de que essa realidade não só não abona o trabalho desenvolvido mais recentemente, como coloca a eventual venda do passe de Rúben num patamar de diferença que deve ser devidamente avaliado e resolvido.