O que fica de mais um FC Porto-Benfica
1 Ainda nem cinco minutos tinham passado sobre o apito final do jogo do Dragão e eu já tinha recebido uma mensagem de um benfiquista que serviu para me mostrar, se dúvidas tivesse, como tinham eles ficado após o jogo: desesperados com a derrota, com um sentimento misto de impotência e de humilhação, que se manifestava em toda a espécie de ataques e desculpas esfarrapadas, desde um pretenso empurrão de Soares a Ferro no penálti a favor do Porto até aos bonecos insufláveis suspensos - perdão, «enforcados» - num viaduto de uma estrada.
De facto, como aqui escrevi há uma semana atrás, mais do que os três pontos em disputa por um campeonato que, fosse qual fosse o resultado, continuo a achar que já está decidido, este era também e muito um jogo pela honra: a dos portistas em primeiro lugar, mas também a dos benfiquistas a quem cabia fazer prova de que as 18 vitórias consecutivas em jogos fora de casa para o campeonato e os 3 únicos pontos perdidos na edição deste ano, contra o mesmo FC Porto, não era obra do acaso ou de um estranho fenómeno que faz com que, por exemplo, no último quarto de hora dos jogos - ou às vezes até nos últimos 5 minutos ou no último minuto - os adversários do Benfica sejam acometidos por uma invencível letargia, ou um inultrapassável desnorte ou tremedeira, que os faz deitar por terra empates ou vitórias já tidos como certos. O «grande» Benfica, dos cinco campeonatos nos últimos seis anos e a quem se prenuncia uma prolongada época de indisputada hegemonia a nível nacional, depois da derrota na Luz, precisava muito deste jogo para mostrar ao mundo que afinal não é apenas grande contra os pequenos e pequeno contra os grandes. Falhou em toda a linha e daí o desespero.
2 O falhanço nem sequer esteve tanto no resultado - que até foi lisonjeiro para o que se viu - mas noutra coisa que qualquer benfiquista, por mais cego que seja, no seu íntimo se vê forçado a reconhecer: que, independentemente dos resultados, e seja com Jorge Jesus, com Rui Vitória ou com Bruno Lage, jogo após jogo e ano após ano, na Luz ou no Dragão, o Benfica entra sempre em campo e joga sempre contra o FC Porto com um indisfarçável respeito, para não dizer temor.
O Benfica tem medo do FC Porto em campo, e isso está-lhe entranhado no ADN até às profundezas da alma. Sábado passado não foi excepção: aos 6 minutos já podia estar a perder; aos 10 já estava; e só aos 12 ultrapassou a linha do meio-campo. Como explicou Bruno Lage no final, a estratégia era a de aproveitar algum pontapé de canto ou alguma bola de ressaca. Ou seja, sofrer e esperar pela sorte: como sempre.
3 Em todo o jogo, Marchesín não fez uma defesa, nem viu nenhum adversário aparecer-lhe isolado em posição para marcar, como sucedeu por três vezes com Vlachodimos: limitou-se a interceptar raros cruzamentos e a frangar no primeiro golo, sacudindo a bola para a frente, em vez de por cima da trave (aliás, depois de um início de campeonato fulgurante, o guardião argentino, baixou claramente de forma, parecendo agora desconcentrado).
4 O Benfica marcou dois golos nas duas únicas ocasiões criadas, fruto da classe individual de Rafa e da extraordinária capacidade de finalização de Vinícius, hoje o melhor ponta-de-lança da Liga (o tal que o FC Porto preteriu em favor desse expoente que dá pelo nome de Fernando Andrade). Mas também fruto daquela que é maior qualidade de jogo da equipa de Bruno Lage: a facilidade de criar jogadas letais de golo e de as finalizar sem espinhas. Tivesse disposto das duas ocasiões em que Pepe esteve isolado frente ao guarda-redes e da que Luis Díaz também desperdiçou, o Benfica teria ganho por 5-3 e nada haveria a dizer. E se em lugar de Pepe e Díaz, o FC Porto tivesse tido Vinícius, ou Rafa ou Pizzi nos seus lugares naqueles momentos, teria ganho por 6-2 e hoje estar-se-ia a discutir uma hecatombe.
5 Sérgio Oliveira e Uribe surpreenderam-me pela positiva - e, com eles, Sérgio Conceição. É justo reconhecê-lo, porque nunca pensei que pudessem exibir-se ambos ao nível que o fizeram e que dessem uma contribuição decisiva para ganhar o meio-campo ao Benfica e assim fazer do tradicional calcanhar de Aquiles do Porto a base para o triunfo. Sérgio Conceição também percebeu muito bem que era pelo flanco esquerdo da defesa encarnada que teria de atingir o adversário até ao KO: foi por aí que o FC Porto construiu os seus três golos. E, uma vez que optou por insistir em Marega, fez bem também em fazê-lo descair para o flanco direito, em lugar de o apagar passivamente sob a marcação dos centrais. Mas pergunto-me quantos mais danos não poderia ter causado naquele flanco descaradamente vulnerável da defesa benfiquista se tem jogado com Corona na ala e Manafá atrás, como lateral?
6 Ganha foi também a aposta em Luis Díaz a tempo inteiro: pressente-se que está ali, apesar da sua juventude, um jogador para grandes jogos. E muito boa a aposta final no ainda mais jovem Vítor Ferreira (eu até esperava mais tempo dele em campo): se só vale a pena ter opiniões quando se arrisca, eu arrisco dizer que está ali alguém que não engana. Vai ser um grande jogador: tem estratégia, visão de jogo, coragem, personalidade, olha para a frente e vê a baliza e ainda não está (e espero que não venha a estar) manietado por um excesso de tacticismo injectado de fora para dentro.
7 Eu era capaz de apostar um milhão em como o árbitro escolhido seria Artur Soares Dias. Porque tem muita pinta e muito nome e porque sofre de um incurável antiportismo, muito pouco subtil e indisfarçável. Fez o que pôde para não deixar os seus créditos por mãos alheias e até me deu vontade de rir ver as voltas ao texto que alguns especialistas deram para tentar justificar algumas das suas decisões. Fiquei assim a saber que Taarabt não viu o segundo amarelo aos 33 minutos quando cortou a bola ostensivamente com a mão (num lance que, a meio-campo, daria amarelo sem pestanejar), porque aqui se tratava de um cruzamento para a área e «na área estavam vários jogadores». Ou seja, em cruzamentos para área, mesmo que em situação de ataque perigoso, como era o caso, só há amarelo se a área estiver deserta... (Curioso foi a observação, ao momento, do relator da Sport TV, quando o marroquino se preparava para contestar o cartão que Soares Dias aparentemente já tinha na mão para lhe mostrar : «Rúben Dias falou-lhe ao ouvido e afastou-o dali». O que lhe terá dito Rúben Dias?). E, aos 63 minutos, teve de ser Bruno Lage, já envergonhado, a substituir-se a Soares Dias, tirando Taarabt do jogo, não por medo, mas por pudor, suponho. E, depois de meses a ser instruído quanto às novas regras dos penáltis por abrir os braços para «aumentar a volumetria», fiquei a saber que, afinal, quando isto toca a alguns poderosos, a regra pode ter excepções: o jogador estava de costas, não viu a bola partir, ou vinha a recuar para cima do Soares que, por acaso, estava na posição certa e letal de onde costuma cabecear para o golo e que estendeu a mão para deter o recuo «involuntário» do defesa e, muito legitimamente, não perder a posição que era sua. Mas aqui, para bem do futebol, foi o VAR a recordar a Soares Dias que a chuva quando cai é para todos.
8 E depois do jogo jogado, começou, claro, o jogo sujo, em que até, para minha decepção, Bruno Lage não resistiu a alinhar. Vencido em campo, o Benfica tentou ganhar postumamente o jogo noutros terrenos. Mas, por acaso, jogou mais e melhor que o Porto? Teve mais ataques, mais remates, mais oportunidades de golo? Então, o Benfica agora quer árbitros estrangeiros? Ah, mas nós não queremos outra coisa desde há seis anos! E sabemos os gloriosos resultados que o Benfica tem obtido com árbitros estrangeiros nos jogos europeus...Mas a raiva de quem não está habituado a perder e se acha já dono disto tudo chegou a tal ponto que até o presidente do clube que não tem claques teve o desplante de se queixar da violência das claques! Como se tivesse a menor autoridade moral para falar no assunto!
9 Isto vem junto com alguns sinais de subserviência e de autocensura que vou vendo, mesmo onde não seria de esperar. Vi, por exemplo, o treinador do Vitória de Guimarães fazer um escarcéu contra a arbitragem porque na última jogada do desafio contra o FC Porto, na meia-final da Taça da Liga, o Vitória ter visto anulado pelo VAR um golo que, por azar seu, foi mesmo ilegal. Mas não o vi nem soltar um queixume quando perdeu muito injustamente contra o Benfica por 1-0 para a Liga, num jogo em que esmagou os encarnados e em que viu o árbitro fazer vista grossa a um escandaloso penálti cometido por Rúben Dias. Nada, caladinho que nem um rato - e depois devidamente elogiado por eminências benfiquistas. Preocupa-me também que ninguém nem o treinador, nem os dirigentes, nem a crítica - tenha dito uma palavrinha que fosse para o facto de o golo da vitória do Benfica sobre o Famalicão para a Taça de Portugal, conseguido na última jogada, ter sido obtido na cobrança de um canto que não existiu: apenas o jogador do Famalicão envolvido na jogada ficou a protestar em vão. Sejam sinais de impotência e de inutilidade, ou de cautela e de prudência, o que quer que seja, começam a ser demasiados e preocupantes.
10 Quando o FC Porto ganha em Guimarães é campeão - nos anos normais. Mas domingo também o SC Braga vai à Luz e acaba-se o estado de graça de Rúben Amorim.