O processo Conceição

OPINIÃO27.01.202003:00

Um dos princípios inegociáveis de quem analisa terá de ser aquele que nos lembra que o jogo está em permanente evolução. Se logo à partida não há dias iguais, a conjuntura também pode mudar e, com esta, verdades quase absolutas. Um determinado contexto ajudou Rui Vitória a ganhar os duelos com Jorge Jesus (ou Jesus a perdê-los) e a esbarrar depois, sem sucesso, em Sérgio Conceição, tal como Bruno Lage, pelo contrário, foi capaz de recuperar sete pontos ao mesmo rival.

O processo Conceição teve inicialmente uma conjuntura interna desfavorável, mas favorável fora de portas. Havia um Benfica saciado, a falar entredentes no penta como se fosse uma inevitabilidade, mas sem investimento e também com um treinador com menor capacidade para influenciar tropas com treino e discurso.

A falta de reforços e de dinheiro acrescentou força ao discurso guerreiro, que assentou na perfeição em treinador e jogadores, e encarnou até a mística portista. O futebol vertical foi então levantado em cima do poder físico, agressividade e intensidade de várias unidades, das bolas paradas e das segundas bolas, e dominou durante ano e meio. Conceição teve ainda a elasticidade tática para jogar com os posicionamentos de Marega, Herrera e até Otávio, e resolver a equação problemática de Danilo com Sérgio Oliveira. Se o seu futebol não foi tão cru quanto pareceu só convenceu mesmo o Dragão enquanto ganhou.

Nem que seja pelas escolhas que o técnico fez para os grupos de trabalho, o processo Conceição parece sem patamares superiores de evolução, a não ser que a qualidade individual dispare no verão. E mesmo que seja campeão - o que não dependerá só de si - ou ganhe todos os troféus, haverá sempre quem levante a questão: será o caminho que vai levar de novo à hegemonia do futebol português?