O primeiro vencedor: Benfica
E o grande vencedor das eleições de ontem foi o... Benfica. Esta será, em primeiro lugar, a grande conclusão que se deve retirar da afluência de sócios que, em plena pandemia e num dia de semana de Outono, se deslocaram aos vários locais de voto para dizerem de sua justiça sobre quem querem ver no cargo de presidente no próximo quadriénio. O recorde de votantes é um sinal de extraordinária pujança de uma organização social que prova, em momentos como este, ser muito mais do que um simples clube desportivo.
Face ao momento que vivemos e de algum pânico social que se vai instalando com a escalada da segunda vaga de Covid-19, os associados do Sport Lisboa e Benfica contribuíram também para trazer de volta a ideia (nem que seja apenas momentânea...) de uma certa normalidade que todos nós, cidadãos, precisamos para nos lembrarmos que seremos sempre melhores se vivermos em comunidade e respeitarmos os seus códigos.
Isto já tinha sido observado, também, nas eleições do FC Porto, em junho, num ato eleitoral separado por dois dias para evitar aglomerações. Justiça seja feita: o futebol enquanto motor de massas está a portar-se melhor do que muitos esperavam na abordagem às condicionantes da pandemia e isto devia ter uma consequência junto dos decisores políticos na devida altura.
À hora que escrevo ainda não é conhecido o vencedor e admito que uma derrota de Luís Filipe Vieira seria surpreendente. Não tanto por fraqueza de João Noronha Lopes, bem pelo contrário, que fez uma campanha de menos a mais (empático na comunicação e com muito impacto nos meios digitais), mas pelo perfil de quem tem mais votos (os mais velhos) e do contexto. Apesar das nuvens negras que pairam sobre LFV (na condição de presidente do Benfica e na de cidadão), o passado e a obra feita continuam a ter muito peso. Uns por vieirismo militante, outros por preferirem a segurança do que é conhecido (com todos os defeitos e virtudes) ao desconhecido, ainda para mais num período de tantas incertezas como aquele que vivemos , a lógica assente na história apontava para esse lado mais conservador.
Independentemente do resultado, estas eleições terão de obrigar Luís Filipe Vieira a refletir sobre os motivos que levam boa parte dos adeptos (sócios e não sócios) a criticá-lo e considerá-lo mais um problema que solução para o futuro. Responder com teorias de perseguição em fase de campanha até se compreende porque estes são os momentos do soundbyte e dos discursos emotivos, mas após o fecho das urnas os argumentos terão de ser muito mais racionais.
Dos três vetores que, segundo os seus críticos, mancham o trajeto de Vieira (processos judiciais, má política desportiva e fraco desempenho europeu), a questão do (in)sucesso na UEFA é, claramente, o mais estrutural. Tivesse o Benfica de Vieira feito grandes desempenhos na Champions e menos impacto teriam, junto dos benfiquistas, todas as outras questões. Porque o sucesso desportivo (nacional e internacional), para os adeptos, é a mãe de todos os objetivos e relega para segundo plano questões como o exército de flops de mercado ou suspeitas de comportamentos desviantes. É assim que funciona o futebol, basta recordar que Pinto da Costa nunca perdeu um pingo de popularidade junto da nação azul e branca após o Apito Dourado porque o FC Porto ganha cá dentro, já ganhou lá fora - e, quando não ganha, é pelo menos competitivo, fazendo dos dragões a única equipa portuguesa com estofo de Champions da atualidade. É essa a grande lacuna do Benfica de Vieira e é disso que a geração dos milllennials (como Bernardo Silva...) se queixa, porque esses só conhecem o Benfica europeu dos livros e do que lhes falam os irmãos mais velhos, pais ou avós.
Ao que LFV nunca terá dado muita importância (na gestão e na comunicação), foi a necessidade de recuperar uma cultura europeia que se perdeu no virar do século. Uma cultura que se faz de muitas maneiras, embora uma palavra seja transversal: exigência. Eis o grande desígnio do próximo presidente: o regresso ao passado.