O presente e o futuro
Luís Filipe Vieira quis gastar todos os cartuchos em hipotética contratação de José Mourinho, apostando na condição de desempregado em que se encontra e também em eventual saturação que pudesse facilitar o seu regresso a Portugal. Foi ambiciosa a pretensão, mas Mourinho afirmou não ser opção, neste momento, como teve o cuidado de sublinhar, e sugeriu que a melhor solução seria a promoção de Bruno Lage, tal como ontem, em definitivo, o presidente do Benfica comunicou oficialmente, adiantando ter-se tratado da primeira e única escolha.
A tranquilidade vai regressando e com ela a consciência de que foi aplicada a medida mais lógica e sensata. Trata-se de um homem educado, culto e da casa, que deixou de utilizar o eu para valorizar o nós, ou seja, delimitou as fronteiras entre o passado e o presente e o futuro.
Além disto, a Lage não poderá pedir-se o que os antecessores não conseguiram dar. Partir-se desse inaceitável pressuposto, como exigência prévia para uma apreciação favorável no final da temporada, é o mesmo, como diz o povo, que começarem a fazer-lhe a cama onde o querem deitar.
Sobre este ponto, aliás, convém recordar que quer Jesus, quer Vitória apresentaram registos nada extraordinários, medianos, na ordem de 50 por cento: o primeiro ganhou três campeonatos em seis anos e o segundo dois em três e meio. Fizeram o que qualquer outro treinador interessado e com o mínimo de competência, em idênticas condições de trabalho e com os mesmos jogadores, teria feito.
Por outro lado, nesta fase da época, e com o calendário tremendo pela frente, não haveria no mercado génio interessado em arriscar: jogar fora para a Liga com Vitória de Guimarães, Sporting, FC Porto e SC Braga, na segunda volta, defrontar, hoje, para a Taça de Portugal, o Vitória, em Guimarães, e dentro de duas semanas medir forças com o FC Porto, na meia-final da Taça da Liga, é fogo. Geralmente, estas ementas difíceis de digerir os mestres do treino apreciam pouco, preferem dispensá-las aos novatos.
É altura, pois, de Vieira esclarecer a sua posição sobre um assunto que ele ajudou a promover, ao dar uma resposta em entrevista televisiva que originou abusivas interpretações sobre o que, em rigor, não disse, mas que, como se sabe, tem fomentado a instabilidade no quotidiano benfiquista.
Ainda ontem, imediatamente a seguir a Lage ter sido confirmado como treinador principal, a expressão até ao final da época foi colocada em cima da mesa, suscitando as ilações que dela cada qual quiser extrair. Entendo que Luís Filipe Vieira foi suficientemente claro, mas se calhar tem de o ser ainda mais, sobretudo para tentar serenar as políticas comunicacionais associadas aos emblemas rivais, particularmente agrestes e até deselegantes nestes últimos meses, como se tem lido e ouvido.
Bruno Lage é o novo treinador do Benfica. A título definitivo, afirmou o presidente do Benfica. Só até ao fim da época, alertam os adeptos de Jesus. Muito bem, será, o que para mim continua a ser uma incógnita. Quando ele disse que o bom filho a casa volta admiti que estaria a pensar no Sporting, em cumprir o resto do contrato, por exemplo, ou talvez a casa fosse mais abrangente, o país, e, afinal, pretendesse referir-se ao FC Porto, clube que namorou, ou teve essa intenção, e à custa do qual assinou contratos milionários para a realidade portuguesa, primeiro com o Benfica e depois, mais exageradamente, com o Sporting. Divertido, por certo, Pinto da Costa assistiu à distância e mil vezes confessou que era amigo de Jesus e gostava muito dele, simplesmente.
Do fundo da minha ignorância, acredito que é mais forte o desejo de Jesus voltar ao Benfica do que a vontade deste em contratá-lo, por variadíssimas razões. Contudo, em nome da paz no futebol encarnado, convinha que o seu presidente, de uma vez por todas, acabasse com esta dúvida que alimenta a campanha antiáguia em segunda época e que está para durar, como já se percebeu.
Vitória foi apenas a primeira vítima, embora seja minha convicção que o alvo a eliminar é o próprio Luís Filipe Vieira, por ser ele a trave mestra da solidez do Benfica. Escrevi por estes dias que se ele já era forte pelo trabalho, mais forte ficou pela razão que a Justiça lhe deu, a ele e ao clube a que preside, em resultado de um despacho de não pronúncia que gerou súbita e desajeitada vaga barulhenta em que só faltou pedir um castigo para a juíza que o proferiu.
Voltando a Bruno Lage, a questão não está na idade. Reside mais na vontade e na coragem de quem decide. Villas Boas chegou ao FC Porto com menos dez anos de idade e teve o sucesso que teve porque contou com o apoio de Pinto da Costa.
A Lage sugere-se-lhe humildade para ouvir, perguntar e aceitar opiniões, sem abdicar jamais de tomar a decisão final. Que não se deixe enredar pela treta das táticas. Foi assim que Paulo Fonseca começou a ser torrado com a dúvida sobre o 1-2 ou o 2-1 no triângulo do meio-campo. São temas inúteis que, muitas vezes repetidos, massacram. Fuja desse tipo de diálogos e procure respaldo em quem está a seu lado e o pode ajudar. Construa a sua liderança com saber e concentre a atenção no lado humano, considerando que todos os elementos do plantel são importantes: com jogadores e sem táticas pode jogar-se futebol; com táticas e sem jogadores não existe futebol.