O ‘poker’ (quase) impossível

OPINIÃO27.04.202207:00

Liverpool atrás de uma proeza única: ganhar o ‘treble’ e a Champions. Unai Emery começa hoje a tentar destruir esse sonho

ANFIELD emocionou os adeptos com aquela nobre e sentida homenagem a uma lenda do desporto que, por acaso, é a estrela do principal rival. Falo de Cristiano Ronaldo, claro. Mais logo, quando os adeptos reds começarem a entoar o hino mais famoso do futebol - You Will Never Walk Alone - julgo que haverá um pouco por todo o Mundo milhões de adeptos a elogiarem, pelo menos nesse momento, a mística muito especial deste grande clube inglês. O duelo com o Villarreal é mais um na grande época que o Liverpool está a fazer. Será certamente renhido, porque vale a presença na final da Champions. E é especial para os adeptos do Liverpool que, dada a categoria da equipa (soma 40 vitórias e 133 golos em 54 jogos e perdeu apenas três vezes!), começam a acreditar que é possível concretizar um inédito poker de títulos - juntar à Taça da Liga (conquistada em Wembley à custa do Chelsea) os títulos da Premier (os reds seguem um ponto atrás do City a cinco jornadas do fim), Taça de Inglaterra (final a 22 de maio, novamente com o Chelsea) e da Champions (final a 28 de maio em Paris). Será muito difícil concretizar este poker, mas Jurgen Klopp, antes daquele jogo histórico com o Barcelona em Anfield (os ingleses haviam perdido 0-3 em Camp Nou), também disse aos seus jogadores: rapazes, eu sei que isto parece impossível. Mas como são vocês… Não era impossível. Ganharam por 4-0 e apuraram-se para a final.
 

Liverpool ultrapassou o Benfica nas meias-finais e começa hoje a discutir com o Villarreal mais uma presença no jogo de todas as decisões


O treinador da equipa espanhola, Unai Emery, merece muito respeito por aquilo que tem feito: eliminou sucessivamente Juventus e Bayern depois de ficar em segundo lugar na fase de grupos atrás do Man. United, curiosamente a única equipa que conseguiu vencer o submarino amarelo (duas vezes). Emery já contrariou Klopp uma vez. À frente do Sevilha, venceu o Liverpool na final da Liga Europa de 2016(3-1), num jogo marcado por erros arbitrais inaceitáveis. Mas isso foi há seis anos. O Liverpool entretanto tornou-se uma das melhores equipas do Mundo (creio que neste momento será mesmo a mais forte), a ponto de estar a lutar pela tripla conquista (o famoso treble Campeonato-Taça-Taça dos Campeões) que só nove equipas de sete clubes conseguiram em quase 70 anos: o Celtic de Jock Stein (em 1967), o Ajax de Stefan Kovacs (1972), o Eindhoven de Guus Hiddink (1988), o Man. United de Alex Ferguson (1999), o Barcelona de Guardiola (2009) e de Luis Enrique (2015), o Inter de José Mourinho (2010) e o Bayern de Jupp Heynckes (2013) e de Hans-Dieter Flick (2020). Convenhamos. É estranho não ver Real Madrid, Liverpool e Milan neste grupo.
Ontem, no Ethiad, a 1.ª mão da meia-final entre City e Madrid terminou com um resultado louco (4-3) num jogo em que o líder da Premier - mais equipa e quase sempre por cima - e o Real Madrid rivalizaram em erros defensivos primários. É verdade que houve movimentos de fino recorte, um golo do outro mundo (Vinícius), golões de De Bruyne, Bernando e Benzema, e um fabuloso Panenka deste grande avançado francês na fase crucial do duelo. Mas santa paciência. Há muito tempo que não via tantos disparates defensivos num só jogo. Neste Madrid, até nem estranho muito. Agora numa equipa de Pep….
 

MÉRITO AO BRAGA

CARVALHAL e Ricardo Horta desfizeram a possibilidade do FC Porto se apossar, a solo, do recorde de invencibilidade das principais ligas europeias. Foi por um bocadinho. O FCP ficou-se pelos 58 jogos invicto, ao lado do Milan de Fabio Capello, van Basten, Gullit e Rijkaard. Sérgio Conceição acusou o falhanço do marco histórico e descarregou a azia na arbitragem. Não foi o primeiro treinador a fazer isto. O título, no entanto, continua à mão. Se o Sporting não falhar na próxima jornada (Gil Vicente em Alvalade) é possível que a festa azul e branca se faça na Luz, sempre uma maçada para os adeptos benfiquistas. É preciso, no entanto, dar mérito a quem merece. O Braga, depois de perder a Supertaça com o Sporting e todos os jogos com os três grandes na 1.ª volta (goleada de 1-6 na Luz incluída…), encheu-se de brios e respondeu com três vitórias - trás-trás-e-trás - na 2.ª volta: 2-1 em Alvalade, 3-2 ao Benfica e 1-0 ao FC Porto na Pedreira. Um verdadeiro aviamento. Notem que no conjunto das três últimas épocas (com Amorim e Carvalhal) o Braga tem saldo positivo (!) no confronto com os três grandes. Em 26 jogos, soma 13 vitórias (cinco sobre SLB e FCP, três sobre SCP), dois empates (ambos com FCP) e 11 derrotas (cinco com SCP, quatro com SLB e apenas duas com FCP). Contas negativas só com os leões.
É um sinal indiscutível de crescimento. Sustentado.
 

EUROPA QUE BRILHA E MAQUILHA

ÓTIMA a exibição e goleada dos sub-19 benfiquistas ao RB Salzburgo (6-0!) na final da Youth League, depois de três deceções seguidas. A euforia com a proeza dos novos meninos de ouro não deve, porém, fazer esquecer que não estamos a falar de um título «no futebol adulto das grandes elites europeias», como ontem acertadamente observou Vítor Serpa em editorial. Nem é esse o objetivo da formação. O objetivo é que parte destes meninos consiga subir à equipa principal e afirmar-se no futebol a sério como Diogo Costa, João Mário, Vitinha e Fábio Vieira conseguiram no FC Porto… mas só depois de lhes ter sido dado tempo e o enquadramento necessário. É esse o desafio do próximo treinador benfiquista.
Definitivamente, a Champions (dos graúdos e dos miúdos) foi nesta época a grande maquilhadora do notório insucesso benfiquista no futebol doméstico. Um resultado surpreendente dos mais crescidos (quartos de final) ao fim de várias batalhas com a fina flor (Barcelona, Bayern, Ajax, Liverpool), seguido de uma goleada recorde na final dos mais novos… et voilá!, não se fala mais do resto. Muitos parabéns, Benfica. Espero que estejas a caminho de recuperar a velha vocação europeia que sempre admirei e exaltei neste e noutros espaços.