O poder da palavra
Já todos sabemos, mas agora estamos a confirmar: em relação à intervenção do VAR, as instruções são para que estes atuem apenas em casos de exceção. Em lances cruciais para o jogo e quando esses forem absolutamente claros e evidentes. O conceito de claro e evidente é que o erro do árbitro, em campo, seja tão óbvio, tão grande e tão unânime, que até o steward colocado na última fila do estádio consegue detetá-lo. Não é para se gostar ou concordar, é para se respeitar. Como tudo na vida.
O fundamento que levou a esse radicalismo de intervenção fazia sentido quando tudo começou: não havia certezas sobre a qualidade das imagens e/ou da comunicação entre videoárbitro e árbitro, ninguém estava habituado a esta nova forma de atuar e temia-se que demasiadas paragens estragassem as emoções do jogo e a sua dinâmica. Temia-se também que excessiva intromissão do VAR pudesse pôr em causa a autoridade do árbitro, que continuava e continua a ser quem decide. Mas foi por isso que se realizaram testes. Para testar. E nos últimos dois anos, começou a perceber-se que a questão da perda de tempo era mito urbano e que as emoções da partida e dos adeptos eram pouco afetadas. Claro que celebrar um golo a dois tempos não é propriamente efusivo, mas é bem melhor do que celebrá-lo euforicamente no imediato e depois passar semanas a discutir a sua legalidade. A verdade é que a prática foi diluindo receios iniciais e mostrando, lenta mas gradualmente, os benefícios deste instrumento quando bem utilizado.
Passada essa etapa, esperava-se que o rigor protocolar fosse alargado. Esperava-se que a malha passasse a ser menos restritiva. Para que os árbitros e seus colegas de sala pudessem exponenciar, ao máximo, as enormes virtudes do recurso às imagens. O certo é que as coisas ainda não atingiram esse ponto. Findo o período experimental, os lances alvo de escrutínio são os mesmos e as indicações para intervir restritivas. Sem prejuízo das boas decisões já vistas na Rússia, continuamos com a convicção de que esta ferramenta tem capacidade para fazer mais e melhor.
A culpa não é apenas dos árbitros que desempenham a missão de videoárbitros. É, sobretudo, das recomendações que recebem. A pressão para que intervenham o mínimo possível é tal que os inibe de agir como eventualmente o fariam se tivessem a mesma liberdade que têm em campo. Reparem no contrassenso: no relvado, decidem com base no que veem, sentem e intuem. Arriscam, assumem, responsabilizam-se. Em sala, com mais recursos, maior lucidez e menos pressão, pedesse-lhes que, perante lances idênticos, só atuem em circunstâncias de exceção. Fica a sensação de que, nesta fase e perante uma montra tão mediática e exigente, a videotecnologia continua amarrada em si própria e na sua complexidade, como se respeitar tantos condicionalismos internos fosse mais importante do que acertar. Do que tomar boas decisões. A lógica parece estar invertida: os meios devem ser uma forma de atingir um fim. Não um fim em si mesmos. Estou certo que o tempo ajudará a construir um caminho de maior flexibilidade, que vá de encontro às expectativas de todos. Às expectativas do futebol. Até lá, temos que digerir a seco o golo ilegal do Diego Costa, o empurrão a Miranda que resultou no empate da Suíça, o penálti não assinalado sobre Hernández ou a chapada do Prijovic a um costa-riquenho, que só valeu um amarelo. Podia não ser assim, mas por enquanto, é.