O poder da comunicação no futebol
HÁ muitos anos que estudo e me bato pela importância específica do poder da comunicação nos clubes profissionais de futebol. Sinto, não raras vezes, que prego no deserto. Pelo facto de falarem umas com as outras e de umas para as outras, e perceberem o que dizem, as pessoas acham que sabem comunicar. Daí que a questão da comunicação pareça não ser questão alguma. As administrações das SAD preocupam-se, e bem, com os laboratórios mais sofisticados, detetam níveis de elevada complexidade na fisiologia, na psicologia, nas ciências analíticas, no conhecimento das novas subtilezas da alimentação, nas mais modernas técnicas de treino, mas não encontram complexidade alguma nas ciências de comunicação. Por isso, basta-lhes entregar o assunto a uma agência de fazedores de políticos, ou, mesmo, a alguns jornalistas avulsos, que têm por pobre tarefa a dedicada procura de microfones disponíveis para que o presidente, o treinador, algum jogador, previamente indicado pela estrutura, faça o habitual discurso de banalidades, que é o primeiro e fundamental princípio da não comunicação.
Nos Estados Unidos, por exemplo, a comunicação de treinadores e de jogadores treina-se tanto ou mais que o jogo. Porque ela é fundamental para o jogo. Porque ela é determinante na forma como o treinador se afirma perante a equipa, da maneira como o clube se prestigia perante o exterior, do modo como o jogador aumenta o seu fascínio perante o adepto.
Mas há, de facto, comunicadores natos. Pessoas que nascem e, que, depois, cultivam esse talento dizendo as coisas certas nas alturas certas e, não menos importante, da maneira certa.
Um bom comunicador é, sempre, um bom manipulador de massas. No mau sentido, quando lhes desperta os piores instintos e a natureza mais selvagem; no bom sentido quando mobiliza, entusiasma, congrega e faz acreditar num objetivo, por mais difícil que seja.
José Mourinho sabe, perfeitamente, da importância da comunicação. É inteligente e sabe treinar essa sua qualidade superior.
Veja-se a conferência de imprensa de apresentação no Tottenham, que o jornalista de A BOLA, Miguel Cardoso Pereira, descreveu de uma forma exemplar, que deveria fazer parte dos novos compêndios do jornalismo moderno.
A questão da humildade (ou da falta dela). Mourinho sabia que iria ser interrogado sobre esse tema. Preparou-se e teve uma resposta inteligente e marcante:
«Na minha carreira cometi erros e não cometerei os mesmos. Vou cometer erros novos, mas não os mesmos...»
O que significa, muito simplesmente, que não podemos esquecer que antes do treinador há um homem e que é esse homem que importa, para que o treinador seja melhor e cumpra a sua missão.
E ainda:
«Tenho aprendido que às vezes, temos de trabalhar com pessoas de quem não gostamos muito, e temos de trabalhar bem, na mesma.”
Uma resposta que atravessa obviamente o complexo universo do seu passado recente no United, mas não só. Um pensamento que transpõe o estádio, o clube, o futebol e entra em todos nós, na vida profissional de cada um.
E quanto aos decisivos princípios de uma equipa, seja de futebol, seja do que for:
«Se tenho jogadores que acham que são bons e só pensam neles esquecendo de ajudar os outros, a equipa, teremos sempre um problema.»
O que Mourinho diz soa a novo, prende a atenção e torna-se uma comunicação de sucesso porque não apenas convence pela palavra, mas também pela atitude, pela convicção, pela sensação de que se pode confiar na sua competência.