O Pinto dos ovos de ouro
Desde a última chegada do papa Francisco a Portugal que não via uma aterragem tão mediática. O acontecimento da repatriação do hacker Rui Pinto foi tratado como um acontecimento histórico. Vimos o jovem de cabelo espetado por ideias sonhadoras a entrar no avião, por uma nesga descoberta entre dois anónimos passageiros, acompanhámos a rota do TAP, a meia volta-volver nos céus das praias da Caparica e também vimos, em direto, a chegada à pista, o rolar do avião até se vislumbrar, apenas, um bocadinho da cauda que se manteve no ecrã enquanto os especialistas discutiam hipóteses e teses mais ou menos abstratas. Por fim, assistimos à natural desilusão dos repórteres de serviço no aeroporto Humberto Delgado e que tiveram de se resignar perante a evidência da PJ não ter tido a amabilidade de levar o famoso detido à presença dos jornalistas para dar corpo à cobertura, em direto, de mais um show do espetáculo do real.
Os polícias, na versão Fernando Negrão sobre António Costa, deveriam ter picos no coração, porque não contentes em sonegarem audiências fáceis aos nervosos canais televisivos ainda tiveram o desplante de fintar os repórteres que à porta da Judiciária esperaram, em vão, um carro branco, quando o Rui Pinto acabaria por chegar disfarçadamente num carro preto. O que também poderá provar que o contingente automóvel da PJ não é assim tão pobre.
Mas, afinal, que febre terá disparado nos canais televisivos para rapidamente se terem esquecido da tragédia de Moçambique, das novidades preocupantes do Brexit ou, enfim, da viuva-Rosa-alegre do malogrado triatleta?
Rui Pinto, o hacker, o artista dos acessos interditos aos sistemas informáticos, o especialista da espreita, o ativista da noção de negligência policial, o procurador-geral da correspondência alheia regressava à Pátria em que ele próprio não reconhece nem justiça, nem espera agradecimento pela sua ação nobre e patriótica na descoberta de crimes e criminosos.
Instado a pronunciar-se, perante um Juiz, sobre o caso concreto do acesso ao sistema informático do Sporting e da Doyen, a Europa terá de aguardar melhor e mais gulosa informação sobre o Football Leaks e Portugal terá de esperar, em óbvio frenesim, por saber particularidades dos famosos emails do Benfica, que por terem ido parar (a saber como nos próximos episódios) ao colo do FC Porto, fizeram de Rui Pinto o novo superherói dos SuperDragões.
A verdade é que, como também se poderá provar com Rui Pinto, o conhecimento, hoje, é poder. O que o geniozinho informático verdadeiramente sabe, será a sua apólice de seguro de vida; quem ele verdadeiramente conhece será a sua garantia para uma ampla margem negocial na Justiça; e a noção de que ninguém, sobretudo no futebol português e mundial, estará a salvo de descobertas, no mínimo, incómodas, será a sua base para poder ter um futuro.
Porque se é verdade que Rui Pinto responde por atos que os tribunais poderão vir a sentenciar como criminosos, também é verdade que polícias e ladrões sabem que ele é, mesmo, o Pinto dos Ovos de Ouro. O seu conhecimento de atos, de processos, de atores e o seu imenso espólio de informação não podem ser desvalorizados, nem apagados, nem contaminados.
É evidente que todos os cuidados deverão ser tidos em conta, no sentido de que a justiça não poderá ser cega e surda para os amigos e rigorosa e firme para os inimigos ou simples desconhecidos. E também importa que a justiça tenha o seu tempo (de preferência breve) e o seu espaço, sem se deixar desacreditar, ao menos por uma vez, pela tentação mediática.