Ó Paris das arábias: é desta?
PARA incómodo e estupefação do jogador e do Barcelona, o intragável folhetim Neymar terminou com vitória do Catar-PSG. Segundo o que tenho lido na Imprensa francesa, Neymar não regressou à Catalunha, como queria, devido à firmeza e intransigência de duas pessoas: do proprietário do PSG, Nasser Al-Khelaifi, que se cansou das birras, das exigências e dos tiques de prima dona do jogador; e do diretor desportivo Leonardo (brasileiro), que não cedeu um milímetro às pretensões do clã Neymar enunciadas pelo pai e empresário do craque, o guloso Neymar da Silva Santos. Facto é que o clube detido e financiado pelo fundo estatal Qatar Sports Investment deu uma prova de força institucional perante o gigante Barcelona; e deu mais uma prova de agilidade negocial (poder financeiro já se sabia que tinha) ao contratar no fecho do mercado um ponta de lança de grande categoria, o interista Mauro Icardi, protagonista doutra intragável novela, e um guarda-redes tricampeão europeu, o realista Keylor Navas. Dois reforços potencialmente de luxo que se juntam a Ander Herrera (ex-United), Idrissa Gueye (ex-Everton), Pablo Sarabia (ex-Sevilha) e Abdou Diallo (ex-Dortmund) num plantel que já era muito forte. Com a incorporação do argentino Icardi, o Catar-PSG ficou provavelmente com a melhor e mais versátil frente ofensiva do futebol europeu. Anotem: Neymar, Mbapée, Cavani, Icardi, Di María, Julian Draxler e Eric Choupo-Moting. Caramba, uma obscenidade ! Nem Barcelona, nem Real, nem Liverpool, nem City, nem Juventus, nem Bayern têm tantos tão bons aríetes.
Bem sei que Icardi, Cavani, Neymar, Mbapée e Di María não podem jogar todos ao mesmo tempo e que as grandes equipas nunca perdem a noção do equilibrio (ontem o L’Équipe enunciava assim o PSG de 2019-2020: Keylor; Kehrer, Thiago, Marquinhos e Bernat; Gueye; Di María, Verrati e Neymar; Mbapée e Cavani ou Icardi), mas convém admitir a possibilidade de a Champions deste ano poder finalmente correr bem ao Catar-PSG, ao contrário do que estamos à espera - até pela força do hábito. O tal objetivo que o milionário clube persegue há sete longos anos sem sucesso - nunca chegou às meias-finais, coisa que, por exemplo, o bem menos endinheirado Mónaco conseguiu com Leonardo Jardim.
Mas algum dia pode acontecer. Porque não há mal que dure sempre, não é verdade? E porque quem investe continuamente milhões e milhões tem sempre mais hipóteses de as coisas correrem bem.
Eis como vejo as coisas. Neymar, obrigado a ficar, recebeu uma lição da dupla Al-Khelaifi/Leonardo. Contrariado ou não, o brasileiro só tem uma saída: recuperar a ligação com os colegas e os adeptos e fazer uma grande época para relançar a carreira e limpar a péssima imagem que criou nos últimos tempos, de garoto irresponsável, caprichoso e mau profissional. Só assim, creio, poderá voltar a receber uma proposta milionária do Barcelona e suscitar o interesse de clubes que já o olham de lado. Creio que (estando fisicamente bem) vamos ter um Neymar de raiva. Como já não vemos há muito tempo. Nem que seja para evitar ser forçado por Al-Khelaifi a cumprir o contrato até 2022 - ainda que só «para correr à volta do campo» (desabafo atribuído ao magnata). O homem tem dinheiro para isso e muito mais.
Já sabemos que o PSG não é um clube normal. Beneficia do colossal poder financeiro do país organizador do Mundial-2022 (o clube é propriedade do fundo estatal Qatar Sports Investments) e da escandalosa tolerância/permissividade da UEFA e da FIFA no tocante às regras do fair play financeiro, que o PSG e os primos do Abu Dhabi-City têm atropelado sem que nada lhes aconteça. Mas imaginemos que o clube aprendeu todas as lições da dolorosa aprendizagem na elite europeia. Imaginemos que desta vez o Catar vai além dos quartos de final da Champions. Imaginemos que tudo aquilo funciona. Tuchel (bom treinador!) implacável na gestão dos egos. Keylor inspirado como nos tempos de Ronaldo. Neymar a jogar de raiva, genial como em 2015 e 2016. Mbapée explosivo. Icardi e Cavani letais. Di María endiabrado. Gueye incansável. Verratti iluminado. Marquinhos intratável, etc, etc, etc. Talento não falta, dinheiro não falta, influência não falta, estádio cheio não falta, treinador também não. Se houver Neymar, cuidado. Pode mesmo ser o ano dos árabes. De Paris.