O pânico!
Na Luz, é muito fácil o barco abanar sempre que alguma coisa não corre bem
COM franqueza, alguém do Benfica estaria verdadeiramente à espera de ver a equipa travar este Bayern de Munique? Ou a depressão que parece ter-se abatido sobre a Luz tem que ver com o treinador Jorge Jesus? É verdade que o Benfica não tem estado tão bem nos últimos três ou quatro jogos como chegou a estar em muitos dos anteriores. Mas será isso razão suficiente para levar o universo benfiquista a parecer ter entrado em pânico?
A equipa não está a jogar um futebol de encantar. É verdade. E Jorge Jesus sabe perfeitamente que no Benfica ninguém lhe pede apenas resultados, pedem-lhe também futebol. Resultados e futebol na mesma dose, aliás, o que, como bem sabemos, é cada vez mais difícil no futebol e no futebol atual quase só as equipas de topo conseguem aliar uma coisa à outra e, mesmo essas, nem sempre!
Mas se o problema do Benfica é Jesus e o futebol que a equipa (não) apresenta, como parece concluir-se da força mediática criada pelos comentários frequentemente ouvidos, então o próprio Jorge Jesus talvez se sinta um homem cada vez mais só no universo da águia, que deixou de contar com a liderança de Luís Filipe Vieira, a sua conhecida imunidade às pressões e, sobretudo, a sua decisão (tomada, admito hoje, isoladamente) de fazer voltar o treinador de quem se divorciara (a mal) anos antes.
Ou seja, o Benfica pode estar a sofrer de alguns problemas conjunturais (erros do treinador, erros dos jogadores, instabilidade exibicional provocada, não só mas também, creio, por uma certa fatura física, neste ciclo, como resultado de ter começado a época bem mais cedo que a maioria dos adversários), mas sofre também de alguns problemas estruturais (um clube onde muitos ralham e poucos terão razão) que só a liderança de Rui Costa (mais ou menos forte, se verá…) poderá corrigir, se o atual presidente conseguir mostrar-se imune a pressões e consciente do que quer e do que o Benfica precisa.
Se há coisa que qualquer equipa precisa para perseguir o sucesso é de estabilidade. Precisa de muito mais coisas, mas se não tiver estabilidade, nada feito! Precisa de estabilidade e de saber quem manda. Só a estabilidade e a liderança lhe permitem superar os maus momentos.
O FC Porto foi goleado, em casa, pelo Liverpool, Sérgio Conceição pôs tudo em causa relativamente à equipa e aos jogadores, ameaçou até bater com a porta, e quais foram as consequências? Nenhumas, porque há estabilidade, liderança e a equipa sabe quem manda.
Estou com tudo isto a dizer que Jorge Jesus é uma vítima do vulcão em que o Benfica se transforma sempre que alguma coisa não corre bem? Não, de todo. Jesus tem evidentemente a responsabilidade máxima sobre tudo o que se passa com a equipa. E só a ele compete conseguir com a equipa jogue melhor e tenha melhores resultados.
O que não parece muito realista é, porventura, achar que o barco está a ir ao fundo só porque a equipa está a um ponto da liderança do campeonato e acaba de ser goleada na Liga dos Campeões (duas vezes consecutivas, é verdade, porque teve o azar de encontrar o Bayern no tal confronto consecutivo, ao contrário de FC Porto, com o Liverpool, ou o Sporting com o Ajax, os adversários mais fortes dos respetivos grupos).
Pode, naturalmente, questionar-se tudo no futebol, é assim a vida dos treinadores e dos jogadores, estão permanentemente expostos à crítica, e o Benfica, ainda por cima, paga o preço da sua própria grandeza, o que significa que o que acontece com, e no, Benfica ganha uma proporção inigualável. É o preço de ser a maior instituição desportiva do País (na dimensão histórica e humana) e, por isso, sempre mais mediática do que todas as outras.
Apenas um pequeno exemplo: o FC Porto foi claramente derrotado nos Açores, para a Taça da Liga, mas não se passou, do ponto de vista do impacto mediático, um quinto do que se passou com o Benfica por ter, por exemplo, empatado com o Estoril, num jogo que até se tornou, na verdade, muito mais fácil para o Benfica do que todos certamente esperariam, mas também muito mais cruel para a águia do que podia prever-se.
Ouve-se justificar a derrota do FC Porto no campo do Santa Clara com a quantidade de alterações que Sérgio Conceição fez na equipa. Pois bem, é evidentemente um ponto de vista, mas o FC Porto perdeu ou não perdeu com Marchesín na baliza, Mbemba e Marcano a centrais, mais Corona, Grujic (que ainda agora, em Milão, esteve em grande), mais Pepê (que também custou bom dinheiro e, ou muito me engano, ou poderá vir a ter dificuldades de adaptação semelhantes às de Everton, no Benfica…) e ainda Toni Martinez, tudo gente que volta e meia é titular nos melhores onzes de Conceição?!
Volto a sublinhar a inevitabilidade de, no caso concreto do Benfica, Jorge Jesus ou jogadores estarem permanentemente sujeitos à crítica, mais ou menos dura, mais ou menos justa. Não imagino, por exemplo, com toda a sinceridade, se é verdade ou não que há jogadores do plantel em choque com Jesus e, no caso de ser verdade, que peso e dimensão terão esses choques.
Mas creio que é difícil de compreender o silêncio do Benfica sobre o que foi tornado público. Julgarão os responsáveis encarnados que o silêncio fará com que os adeptos acreditem que não é verdade que há na Luz jogadores em choque com o treinador? Não diz a sabedoria popular que «quem cala consente»?
No passado, noutros clubes, mesmo no Benfica, e mesmo com Jesus, foram sempre vários os momentos de choque entre jogadores e treinadores. Sérgio Conceição é outro exemplo de alguém que tem o coração ao pé da boca e já terá, também a sua conta (recordo exemplos com Danilo, Tiquinho ou Felipe…), e não é por isso que se perde autoridade. Quantos problemas desses teve Jesus na Luz ao longo dos seis anos em que lá trabalhou, entre 2009 e 2015? Muitos, e com vários jogadores.
Perdoem-me a franqueza, mas não pode ser por causa dos gritos do treinador que a porca torce o rabo. Jesus sempre foi assim; talvez seja é olhado de uma maneira quando a equipa ganha e de outra quando a equipa perde.
Sabe-se, é público, que Jesus sempre teve ótima relação com a larga maioria dos jogadores com que trabalhou e são muitos desses jogadores que o dizem; mas também se sabe que dessa larga maioria talvez não haja um único que não diga que Jesus, às vezes, era verdadeiramente impossível de aturar!
Se o momento do Benfica justifica que os seus responsáveis avaliem, analisem e debatam, só a eles cabe perceber. Mas também lhes cabe serem capazes de resistir a eventuais pressões, sejam elas internas ou externas. Esse será sempre, queira-se ou não, um teste à liderança do novo presidente encarnado.
Porventura, deverá caber a Jesus compreender como é fácil expor-se (ou, como vulgarmente, se diz, pôr-se a jeito…) se convive, por exemplo, com antigos dirigentes do Flamengo que depois contam as conversas cá para fora, ou se vai para uma conferência de imprensa falar do Flamengo e do carinho dos adeptos do Flamengo, ao invés de (é apenas a minha opinião) se recusar a falar do tema por ser, simplesmente, o treinador do Benfica!
No Benfica, por outro lado, e não estarei, na verdade, a dar qualquer novidade, nem aos próprios benfiquistas, basta um empate para toda a gente parecer entrar em pânico. Foi, aliás, após um empate em casa com o Chaves, há muitos anos, que o presidente Fernando Martins perdeu as eleições, quando um ou dois anos antes tinha concretizado a então extraordinária obra de fechar o Terceiro Anel do velho Estádio da Luz, tornando-o um dos maiores e mais impressionantes do mundo. Mas, quando não entra, é a bola é que faz estragos!
Tem o Benfica igualmente tradição com as paredes de vidro, e os benfiquistas que melhor conhecem o clube sabem exatamente o que quero dizer!... Mas além das paredes de vidro, tem o Benfica ainda tradição pela falta de paciência. No Benfica, jogador que não pegue de estaca não é jogador para o Benfica. E essa atmosfera tem «matado» muito jogador na Luz. Ou não tem?!
Já o FC Porto, em muitos exemplos, mostra tradição contrária. Veja-se o caso mais recente do jovem Evanilson. Os dragões contrataram-no há mais de um ano e souberam conservá-lo e prepará-lo. Está a explodir agora e mostra, na verdade, grandes qualidades como atacante. Mas só agora, ao fim de mais de um ano. No Benfica, a impaciência é clara, e qualquer jogador que chegue, tenha ou não custado muito dinheiro, ou mostra imediata capacidade para ser titular ou fica com o rótulo: este tipo não joga nada!
Faz-me lembrar, aliás, o que sucedeu há um par de anos, também no FC Porto, com o atacante argentino Lisandro Lopez, que esteve um ano a marinar no dragão sem sucesso, e, no ano seguinte, explodiu para se transformar não apenas no melhor marcador do campeonato como também num avançado de dimensão internacional. Recordo-me, aliás, de ouvir Nuno Gomes, então jogador do Benfica, dizer publicamente, enquanto o portista não marcava um golo nem ao gato, «se Lisandro Lopez fosse jogador do Benfica, já cá não estava». Nuno Gomes sabia do que falava. E eu, sinceramente, creio que tinha toda a razão!