O pai Sérgio

OPINIÃO17.05.201904:06

Sérgio Conceição é o treinador do FC Porto e, com todo o respeito por outros anteriores treinadores do FC Porto, Sérgio Conceição não é um qualquer treinador do FC Porto, na medida em que parece senso comum considera-lo um treinador verdadeiramente à Porto, um treinador que não se limita a ser o treinador do FC Porto mas que vive e defende apaixonada e intensamente os valores, o espírito e a alma do clube pelo qual se bateu também como jogador e, nesse sentido, olhamos para Sérgio Conceição como alguém que parece ser bem mais do que apenas o treinador do FC  Porto.

Sérgio Conceição nunca escondeu o coração portista e por isso também se tornou uma referência do clube, independentemente do fantástico profissional em que se tornou e o levou a treinar equipas como a Académica, Olhanense, SC Braga ou V. Guimarães, antes da passagem pelos franceses do Nantes e da chegada, há quase dois anos, à equipa que talvez mais desejasse treinar, a do FC Porto.

Sérgio Conceição chegou ao Dragão e rapidamente mostrou ter exatamente o perfil de treinador que o FC Porto precisava. É forte na comunicação, tem uma personalidade muita genuína, mostra paixão pelo emblema, passa força psicológica muito intensa, tem um contagiante sentido de união, foi capaz de devolver à equipa o orgulho de jogar e combater, a ambição de ganhar, o espírito de lutar até à exaustão, a garra e o verdadeiro sentido de equipa, e por isso levou como levou o FC Porto a recuperar o título de campeão nacional que tinha perdido para o Benfica nos quatro anos anteriores e que parecia ainda distante da realidade económica e futebolística do clube azul e branco.

Queiram ou não os que tão injusta e inacreditavelmente lhe cobram a insatisfação de eventualmente poderem vir a não ser desta vez campeões, a verdade, a única verdade - e seja qual for o olhar que se deite - é que Sérgio Conceição tem feito um trabalho fantástico no FC Porto e é bom que os críticos da bancada se lembrem do que foram e como foram os quatro anos anteriores à chegada dele.

Há falta de memória, como sempre… e o pior lado do povo do futebol é mesmo não ter memória e ser ingrato.

Sérgio Conceição sabia, por outro lado, que seria o treinador do FC Porto talvez no auge de uma guerra - desculpem-me o termo mas não me ocorre outro... - que sobretudo, e muito acima de todos os outros, FC Porto e Benfica travam há anos e que tão mal faz, e tem feito, ao futebol, aos adeptos do futebol e às conversas sobre futebol, sejam as que se sucedem nas televisões, nos jornais, nos cafés, nos empregos ou nas casas de cada um de nós.

Quero acreditar que estamos ainda a tempo de evitar males maiores, mas este é um conflito hoje verdadeiramente extremado, que deixa o futebol português talvez mais perto do que nunca de coisas absolutamente indesejáveis!

Sérgio Conceição sabe, pois, que não vive num País normal no modo como este País vive o futebol, porque o Portugal do futebol está realmente cheio de anormalidades, a começar pela anormal mentalidade com que praticamente todos os que vivem neste Portugal do futebol vivem o futebol em Portugal.

Sérgio Conceição sempre soube também que essa anormal mentalidade parece exigir hoje, sobretudo ao treinador do FC Porto que seja muito mais do que apenas o treinador do adversário do Benfica e se torne igualmente numa espécie de porta-estandarte desse guerra contra o Benfica até por ser na realidade o treinador do FC Porto o que hoje em dia mais dá a cara na defesa dos interesses da equipa e do clube.

Sérgio Conceição sabia ainda que no auge destes lamentáveis conflitos que quase já opõem os mais sensatos dos adeptos dos dois clubes, nunca seria bem visto que sendo o treinador do FC Porto aceitasse, ao mesmo tempo, que um dos filhos continuasse a jogar no Benfica onde é hoje, aos 19 anos, forte promessa da equipa de juniores, já com contrato como profissional.

Sérgio Conceição é treinador do FC Porto e nunca escondeu a imensa alegria e a tremenda felicidade que lhe dá ser treinador do FC Porto e a paixão que tem pelo FC Porto e a vontade que tem de ajudar o FC Porto a ser cada vez mais vencedor, mais forte e mais competitivo.

Mas é também pai. E por muito amor que tenha ao FC Porto, terá sempre mais amor aos filhos. E é um homem de caráter. E de coragem. E nunca aceitou trocar a dignidade desse seu caráter pela mais bem aceite posição profissional.

Sérgio Conceição é o que é e não o que outros possam querer que ele seja. É um exemplo!

Talvez mesmo único.

Com todo o respeito por todos os outros, não sei, na verdade, se algum outro profissional do atual futebol português seria capaz de treinar Benfica ou FC Porto e aceitar que um filho jogasse exatamente no rival!...

Sérgio Conceição é, por isso, esse enorme exemplo.

Talvez o melhor dos exemplos do que devia ser normal neste anormal futebol nacional.

Um exemplo de integridade e também de coragem.

Um exemplo de quem não hipoteca a dimensão da sua humanidade e os valores do seu caráter, repito, em troca de eventual melhor imagem, mais palmadinhas nas costas ou outros agradáveis elogios.

Sérgio Conceição é, como tão bem exemplificou Nelson Mandela, senhor do seu destino e capitão da sua alma. E não abdica disso.

Eu, que sempre soube, como a grande maioria dos que seguem o futebol, que Sérgio Conceição continuou sempre a ser capaz como treinador do FC Porto de aceitar que um dos filhos jogasse no Benfica, nunca quis escrever sobre isso, e confesso hoje que nunca o fiz - reconheço que talvez mal... - por entender que quanto mais isso fosse razão para comentários mais poderia contribuir para reações anormais dos que vivem anormalmente o futebol.

Mas, agora, depois do que tão lamentavelmente sucedeu esta quarta-feira no FC Porto-Benfica em juniores, é o momento de não mais silenciar a notável decisão de Sérgio Conceição de nunca ter impedido que um dos filhos continuasse a jogar no grande rival do FC Porto.

Um gesto de uma grandeza ímpar neste tão pequeno e tão anormal Portugal do futebol.

Devia ser visto como normal, pois devia, mas sabemos que não é. Não sejamos hipócritas.

E vale a pena voltar a sublinhar que talvez poucos, talvez mesmo muito poucos, talvez mesmo pouquíssimos, arriscariam tê-lo.

Já não vale, por outro lado, a pena recordar o que tão lamentavelmente sucedeu na tarde de quarta-feira, no final do tal FC Porto-Benfica em juniores. Apenas dizer que Sérgio Conceição não devia ter feito o que fez e ele será, creio, certamente o primeiro a reconhecê-lo.

Mesmo revoltado, furioso ou justificadamente ofendido, um profissional do futebol, sobretudo com a dimensão de Sérgio Conceição, não deve fazer o que Sérgio Conceição fez junto de um adepto do FC Porto.

Admito que não fosse fácil para Sérgio Conceição ignorar o que não é muito difícil imaginar que ouviu por estar a assistir ao jogo do filho, que foi autor de um dos golos com que o Benfica venceu o jogo.

Mas ninguém pode aplaudir o que o treinador do FC Porto fez.

O que devemos é aplaudir o que o treinador do FC Porto é.

E a coragem que tem.

E o exemplo que dá e que (se bem me lembro...) nunca nenhum outro profissional deu, pelo menos nas mesmas circunstâncias e enfrentando a mesma realidade de Sérgio Conceição.

Ser profissional do FC Porto e deixar que um filho jogue no Benfica ou ser profissional do Benfica e deixar que o filho jogue no FC Porto? Em Portugal, nunca!

E nunca, talvez mesmo nunca para a larga maioria de nós, mesmo para aqueles que mais normalmente vivem este anormal Portugal do futebol.

Tenham a humildade de o reconhecer. E tenham a humildade de reconhecer a grandeza de Sérgio Conceição.

Não devia ser preciso? Não!

Mas tem de ser.

Nem que seja para aliviar a consciência dos que tiverem a humildade de a sentir pesada!

PS: Pode o Benfica - parece na realidade o mais provável - sagrar-se, de novo, este sábado, campeão nacional de futebol, e se o conseguir será um campeão absolutamente justo pelo que foi capaz de sofrer, de lutar e de jogar sobretudo nos últimos 18 ou 19 jogos, com Bruno Lage no comando, aproveitando bem os precalços vividos pelo FC Porto, que nunca deixou, apesar disso, de ser um adversário poderoso, quase sempre muito determinado e intenso, que se dividiu a alto nível por diferentes competições e voltou a repetir a enérgica, competente e muito valiosa condição de melhor equipa portuguesa na Europa. Mas hoje, não me levem a mal, o que me apetece mesmo é destacar a grandeza de Sérgio Conceição! Que devia orgulhar o FC Porto e deve orgulhar este pobre futebol português.