O Pai Natal de Braga
1 - Dos três desportos favoritos dos americanos - futebol americano, basebol e basquetebol - o único que alguma vez me apeteceu ver ao vivo foi o basquetebol. Os outros, pelo que me foi dado ver em transmissões televisivas, são uma insuportável sensaboria, para mais de duração interminável. Sábado passado, em Toronto, cumpri finalmente o meu sonho de ver um jogo de basquete ao vivo e logo um da NBA, a Liga profissional americana, em que as equipas do Canadá também entram, quando classificadas. Muito embora o desporto mais popular no Canadá seja o hóquei no gelo, o basquete vem logo a seguir e os 20.000 lugares da impressionante Scotiabank Arena, em Dowtown, estavam repletos de uma multidão entusiasta para ver a equipa local, os Toronto Raptors, enfrentar os Cleveland Cavaliers, dos Estados Unidos. Por cem dólares canadianos o bilhete (cerca de 70 euros) fomos parar a um dos piores lugares do pavilhão, atrás de uma das tabelas e no penúltimo de sete anéis a contar do chão. Mas um lugar magnífico para apreciar todo o grandioso espectáculo em cena de que o jogo lá em baixo é apenas uma parte - acompanhada, não apenas à distância visual, mas também ao pormenor através de um gigantesco écran suspenso a meio do pavilhão. Como é da praxe, muni-me de um hot dog e uma Bud, comprados num dos inúmeros bares circundantes, e gozei, não apenas o jogo (vitória dos Raptors por 126-110, com 36 pontos de um extraordinário Leonnard), mas todo um espectáculo super-profissional na sua montagem, concebido para ser mais do que uma ida a um jogo, mas sim todo um programa para um sábado à noite. Quem sabe, sabe!
2 - Toronto é uma das cidades da América onde o grande Eusébio andou emigrado, jogando futebol com o joelho já destruído, numa história triste de que o Benfica só se resgatou mais tarde. Com as temperaturas negativas de Dezembro em Toronto, não consigo deixar de imaginar o que ele não terá sofrido aqui, a jogar futebol para ganhar a vida, debaixo deste frio de sepultar mortos. Mas Toronto é também a cidade onde vivem 200.000 portugueses, dos 350.000 que vivem em todo o Canadá. É incompreensível que a Sport TV não transmita para aqui os jogos da Liga NOS e que um tipo de passagem por aqui, como é o meu caso, tenha de recorrer a toda a espécie de expedientes para tentar seguir em directo e na televisão os jogos mais importantes do campeonato. O Benfica-Braga, porque transmitido pela BTV, lá o consegui ver na íntegra; já o Porto-Rio Ave, só consegui ver, e no computador, a primeira parte, tendo de recorrer ao relato da segunda no Porto Canal, com aquelas absurdas imagens focadas permanentemente nas bancadas; e o Sporting-Guimarães, nada, só o resumo n’ A BOLA online. As minhas conclusões sobre a jornada sofrem, pois, dessas limitações.
3 - Dando a direita à sua testemunha abonatória no processo dos emails, o presidente do Benfica certamente festejava com o presidente do Sporting de Braga, seu grande aliado e amigo, «a vitória em tribunal do Benfica», como lhe chamou a BTV (Nota: como não li a decisão, não vou comentar aquilo que à partida, e desconhecendo os fundamentos da mesma, me poderia parecer uma incompreensível conclusão da Dr.ª Ana Peres). Lá em baixo, no relvado, certamente contaminada pelo exemplo que vinha de cima, a equipa do Sp. Braga não quis ficar atrás do seu presidente nas amabilidades para com o grande anfitrião do jogo e entrou em campo com o melhor espírito de Pai Natal que um cambaleante Benfica poderia desejar. Porque uma equipe de futebol não são apenas os onze jogadores que entram em campo, mas todos, desde o presidente ao roupeiro. E assim, o Braga, candidato ao título, o Braga que resistiu no Dragão até ao minuto 93, o intratável Braga, mal pisou o relvado da Luz, esfumou-se como que por magia natalícia, fazendo com que ao pé dele o Montalegre parecesse um sério candidato ao quarto lugar da Liga NOS. Durante vinte minutos e até ver o Benfica à frente no marcador, o Braga desfez-se em gentilezas de toda a espécie, insistindo em não sair lá de trás, em transviar passes sucessivos, em aliviar a bola sem nunca a afastar, e mesmo no golo inaugural, muito bem cobrado por Pizzi, foi toda uma avenida que se lhe abriu, com nada menos de cinco jogadores, guarda-redes incluído, a mostrarem-lhe o caminho para o golo. Depois, Tiago Sá ofereceu o segundo, a defesa facilitou os terceiro e quarto, antes de, já sem culpas próprias, terem visto Cervi sacar um pontapé magnífico e André Almeida o pontapé de uma vida. Não, não foi um jogo extraordinário do Benfica. Foi sim uma extraordinária gentileza do Braga. Se jogarem sempre assim são candidatos ao Troféu Eusébio.
4 - Empurrado por um público fantástico, o FC Porto arrancou mais uma vitória a ferros, desta vez contra o Rio Ave. Aí vão 15 consecutivas, a liderança mais folgada em relação a Braga e Sporting, mas também um indisfarçável cansaço, físico e anímico, visível a olho nu. A defesa abre buracos inimagináveis ainda há pouco e parece entrar desconcentrada nos jogos, permitindo que, pela quinta vez seguida, a equipa comece os jogos a perder. E, se bem que a boa notícia seja que também conseguiu sempre virar os resultados, é fácil de adivinhar que não vai ser assim para sempre. Fundamentalmente, estamos a viver de Brahimi, Marega e Alex Telles, os que nunca falham. É pouco, muito pouco.
5 - Ao fim de sete vitórias folgadas e um fartar de golos, o Sporting de Marcel Keizer encontrou finalmente a derrota e um jogo em branco. Na hora de conhecer pela primeira vez o gosto amargo da derrota, o holandês, porém, manteve todo o fair-play de que vem dando mostras: nem uma desculpa, uma lamúria com a arbitragem ou qualquer outra coisa, e até a confissão de que podia ter sido pior. Keizer tem-me impressionado pela maneira simples e humilde como pegou num barco oscilante e meteu mãos à obra, não prometendo nada mais do que um futebol de golos, de que o público pudesse gostar. Soube tirar partido de jogadores desaproveitados e em pouco tempo pôs o Sporting a render bem mais, jogando um futebol mais simples, bem mais eficaz e espectacular. Esbarrou agora contra a parede em Guimarães, naquele que terá sido o seu primeiro teste verdadeiramente difícil, mas de que ele saberá certamente extrair conclusões úteis. Engana-se redondamente quem pensar que o Sporting, porque vencido em Guimarães, está afastado da luta pelo título.
6 - Atitude oposta à de Marcel Keizer foi a do seu breve antecessor no Sporting, Tiago Fernandes. Treinador interino durante três jogos, para assegurar a passagem entre José Peseiro e Keizer, o jovem Tiago Fernandes teve a sorte de ganhar dois jogos para o campeonato, tangencialmente e com a ajuda determinante de duas decisões erradas da arbitragem, e de ir empatar contra meia-equipa titular do Arsenal, em Londres, num jogo em que o Sporting não saiu da defesa. E logo embandeirou em arco, puxando de galões que não tinha nem podia ter ainda, e claramente fazendo-se ao lugar principal. Para azar seu, Keizer chegou e tratou, com os resultados que logo obteve e com o futebol que mostrou, de rapidamente apagar a breve memória de Tiago Fernandes. Chamado então ao comando do Desportivo de Chaves, entrou em cena com um discurso à Mourinho: que ia fazer e acontecer, que rapidamente ia pôr o Chaves a ganhar e a jogar futebol a sério, tirando-o do fundo da tabela, pois sabia muito bem o que tinha de fazer para isso. Resultado: três jogos, três derrotas, o Chaves eliminado da Taça e afundado no último lugar do campeonato. Quando não se é Mourinho - e, às vezes, mesmo quando se é - a humildade ainda é o melhor caminho.