O Mundial e o mundo no Vale do Rio Grande
É fácil cair nos agrados da demagogia, escrever a coisa certa, sublinhar que é uma infâmia separarem crianças dos pais na fronteira do México com os EUA, no Vale do Rio Grande, Texas, por força da aplicação de leis de imigração que, francamente, não sei de que ideologia política vêm, se republicana ou democrata, preferindo saber tão-só quem as aplicou. Não queria fazê-lo, portanto, e desejava escapar ao tema tanto quanto me tenho esforçado por apartar da mente aqueles gritos das crianças aterrorizadas numa gravação que por aí andou e que só suportei segundos.
Acontece que, em pleno Campeonato do Mundo, enquanto se enjaulavam miúdos na passagem do México para a América, estes países souberam, da FIFA, que iriam organizar (com o Canadá) o Mundial de 2026. São notícias que para muitos podem não ter relação, reconheço, contudo eu não consigo evitar estabelecê-la. Se insistirmos na ideia clássica de que uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa, então estaremos a dar passos decididos para a desumanização de tudo, da política, da civilização, do futebol e do Campeonato do Mundo, que gostamos de ostentar como encontro de povos. Se chegarmos, teimo, ao ponto de julgar razoável que duas nações - para mais na mesma semana! - possam festejar a organização combinada de um Mundial e, por contraponto, exibir ao Mundo aqueles miseráveis atos aniquiladores de direitos e corações humanos, então estaremos na iminência de já nem a demagogia em textinhos destes nos valer, de nem sequer importar escrever a coisa certa, aquela com a qual todos concordam. Possivelmente por isso, não pretendendo fazê-lo, assim acabei a escrevê-lo na mesma.