O meu amigo Cristiano
Tenho respeito pessoal e profissional por Fernando Santos, mas também tenho respeito pelos leitores de A BOLA, que têm o direito de saber por que razão Cristiano Ronaldo voltou a não ser convocado para a Seleção.
Ora Fernando Santos acha que não, que os portugueses não têm o direito de conhecerem pormenores de uma conversa entre três amigos, dois dos quais, por sinal, se chamam Fernando e o outro se chama Cristiano.
Eu, de facto, não quero saber as conversas que o Fernando tem com os seus amigos, mas quando o Selecionador nacional fala com o presidente da Federação Portuguesa de Futebol e com o capitão da Seleção portuguesa de futebol, não pode confundir a amizade com a missão profissional para as quais, aliás, todos são justamente pagos.
Eu posso ser amigo de Fernando, ter dele, como tenho, a melhor opinião sobre o caráter e o valor humano, mas também tenho a responsabilidade profissional de lhe dizer que está errado.
Precisa de explicar tudo muito bem explicadinho? Não. Tem de saber defender o futebolista e o homem que, entendemos todos, estará a passar por um tempo difícil que não pode deixar de o perturbar. Muito bem. Diz que lhe foram dadas suficientes razões de caráter pessoal, que requerem reserva pública. Apreciou-as e decidiu que era melhor deixar Cristiano de fora por um tempo indeterminado, até ele se sentir em condições físicas e psicológicas para representar a Seleção.
A ausência de um tratamento de rigor e profissional no caso-Cristiano abre, ou melhor, escancara as portas e as janelas da especulação. Muitos dirão, com muito ou pouco exagero, que Cristiano pode não voltar mais à Seleção e que a notícia só não é oficial porque isso custaria muito dinheiro à Federação, que teria de aceitar uma enorme desvalorização comercial nos contratos com a equipa nacional.
Não estou a dizer que seja essa a realidade. Estou a dizer que não é ilegítimo ver essa possibilidade, admitir tal hipótese, considerar o problema por esse prisma. O que justificaria o segredo, o que tornaria conveniente o estilo oficioso, mas não oficial, de tudo ter tido por base uma conversa de amigos.
Nem a Seleção, nem a Federação Portuguesa de Futebol podem assemelhar-se a uma quinta para onde se convidam os amigos. E é verdade que tanto na Seleção, como na Federação a norma é o rigor, o profissionalismo e a competência. Então, como entender esta distorção moral, este enviesamento de atitude, esta subversão de critério?
Talvez que o jornalismo, sobretudo nas conferências de imprensa da Seleção e dos clubes, ande demasiado pachorrento e dócil, talvez que o jornalismo, de tão melancólico, ande arredado dessa faceta essencial de irreverência e até de alguma rebeldia que afasta, para longe, qualquer sintoma de subserviência ao poder, qualquer que ele seja, esteja onde estiver.
Talvez que o hábito de se ter pela frente quem tem sempre muita pressa de acabar a função e urgência em finalizar a história que vai contar, torne os protagonistas menos preocupados com o que fazem e com o que dizem.
Há sempre, porém, uma questão essencial que não pode ficar de fora. Os protagonistas, de que falamos, não têm conversas em família com os amigos jornalistas, têm obrigações para com o imenso universo de adeptos do futebol.
Ao que parece, Cristiano, se estiver de boa saúde, irá regressar à Seleção, no ano de 2019. Alguém terá de sair para ele entrar. Alguém que pode, até, ser dos mais novos e que não vai ter a referência decisiva de um exemplo para o futebol e para a vida.