O martelo que esmigalha

OPINIÃO19.08.202004:00

DIREITO ao Bayern-Lyon de logo em Alvalade: gosto de Rudi Garcia (na Bola TV chamei a atenção para a sagacidade tática dele antes do jogo com o City), mas não estou a ver maneira de ele conseguir escapar à terrível martelada do Bayern. Que incrível futebol joga esta equipa alemã conduzida por um treinador cujo nome poucos conhecem de cor (Hans-Dieter Flick)… Quanta potência, quanta objetividade, quanta versatilidade nesse carrossel infernal, de imenso fôlego atlético, que esmigalhou o Barcelona com um corretivo histórico. Quem reparou no comportamento de Flick na parte final desse jogo percebe quão focada e profissional é toda a estrutura técnica do Bayern. O homem estava a espetar uma goleada histórica ao Barcelona e mantinha o ar mais sereno do mundo, como se aquela hipótese estivesse prevista no plano de jogo. Se calhar estava. Bem sei que esta Champions tem sido pródiga em surpresas, mas creio que ninguém contestará a superioridade evidente do futebol que o Bayern joga. Isso por si só não garante nada, claro, mas é um sinal quando toda a Imprensa internacional aponta a equipa alemã como híper favorita à final de domingo, que acolhe pela primeira vez uma equipa propriedade de um país árabe (Catar): o Paris Saint-Germain dos cintilantes Neymar, Mbappé, Di María… e Marquinhos. Veremos como vai Rudi Garcia tentar emperrar a máquina de Munique, sabendo-se que ele eliminou duas equipas sonantes como a Juventus e o Manchester City no espaço de oito dias. A este nível há coisas que não se repetem por acaso. Mas acredito que nem um Lyon taticamente perfeito (franceses: nada a perder!) com um super Anthony Lopes na baliza (jogo da vida!) seja capaz de travar este Bayern. Julgo que neste momento só o Liverpool podia jogar de olhos nos olhos com os alemães, já que tem uma ideia de jogo e uma intensidade atlética muito semelhante. 

RONALDO & BRUNO. De todos os portugueses presentes na reta decisiva da Champions e da Liga Europa, é um facto que apenas o guarda-redes Anthony Lopes pode chegar à final. Foi realmente uma época muito má para nós na Europa. Mas houve dois nomes que sobressaíram no momento da queda. Cristiano marcou dois golos (um deles magnifico), lutou, esperneou e deu tudo para eliminar o Lyon, contrastando violentamente com alguns dos seus aburguesados companheiros de equipa, a quem notoriamente faltou compromisso e ambição. Autor de todos os golos (7) da Juventus nas últimas duas fases eliminatórias da Champions, Cristiano parece deslocado numa equipa que não lhe dá o apoio que tinha em Manchester e Madrid. Talvez por isso Ronaldo esteja a equacionar a quarta mudança na carreira, não se sabendo se as notícias que apontam para o fim de ciclo em Turim possam motivar o seu arquirrival Messi a tentar sair, pela primeira vez, da sua zona de segurança. O Barcelona é um destroço da grande equipa que foi e Messi há de perceber que o final da carreira já esteve mais longe; e que o panorama em Camp Nou não é particularmente animador: reconstruir uma equipa com cara de Champions leva o seu tempo. Não ficaria admirado se o City e Guardiola o tentassem arrancar da Catalunha.

Bernardo Silva tem vindo a perder espaço no City (deixou de ser titular indiscutível) e nem sequer foi utilizado no tudo-ou-nada com o Lyon, onde se percebeu mais uma vez a falta de estofo da equipa inglesa na maior competição clubística do mundo. Cancelo foi titular mas não deixou marca. João Félix, suplente de luxo no Atlético, teve treze minutos cintilantes no jogo com o Leipzig (arrancada, penálti e golo), mas foi ânimo de pouca dura. Terminou como os outros colegas - apagado, perdido no futebol troglodita de Simeone -, à imagem do que foi a época colchonera. Já Nélson Semedo regressou à Luz para uma noite de puro horror (2-8) marcada pela finta diabólica que lhe aplicou o miúdo Alphonso Davies (18 anos) no lance do 5-2.

Na Liga Europa, Luís Castro (Shakhtar) caiu nas meias vergado ao peso de uma derrota devastadora (0-5) com o Inter do defensivo (?) Antonio Conte. Uma pena. O portuguesíssimo Wolverhampton, que já eliminara com alguma fortuna o Olympiakos de Pedro Martins, não teve arte nem engenho para o organizado Sevilha de Lopetegui e foi bem eliminado; Sevilha esse que soube explorar a incrível ingenuidade defensiva do Manchester United, onde Bruno Fernandes é cada vez mais o boss indiscutido. Como Ronaldo, também Bruno caiu a marcar, a espernear e a protestar com a passividade dos colegas - no caso, o central Lindelof. É um jogador de outra dimensão, destinado a brilhar na Champions, o seu espaço natural.

Uma equipa eterna – A década de Real/Ronaldo/Zidane

INDEPENDENTEMENTE de quem ganhar a final de domingo na Luz, a década que fecha agora, dominada pelo futebol espanhol (seis títulos em dez), deixa uma equipa para a eternidade: o Real Madrid de Ronaldo, que conseguiu a proeza de ganhar quatro Champions em cinco anos - três delas seguidas -, um registo apenas suplantado pelo Real Madrid de Alfredo Di Stefano, que venceu as cinco primeiras edições da Taça dos Campeões Europeus (entre 1955 e 1960). Podemos e devemos admirar a magia do Barcelona de Messi, Iniesta e Xavi (dois títulos, um com Guardiola, outro com Luis Enrique), mas a primazia merengue não tem contestação possível - assim como a de Cristiano Ronaldo e de Zinedine Zidane, o primeiro treinador da história a levantar três orelhudas seguidas (!) numa década muito marcada pela rivalidade Guardiola-Mourinho. Foi neste decénio que Cristiano se firmou como o rei indiscutido da Champions, apesar de não ter conseguido passar dos quartos nas duas épocas com a Juventus. Os números de CR7 são imbatíveis: quatro títulos e quatro meias-finais, seis vezes goleador-mor com as três melhores marcas da prova (17, 16 e 15 golos) e um total de 108 golos em 112 jogos. O registo do arquirrival Messi é mais modesto: dois títulos, três meias finais e cinco quartos de final, quatro vezes goleador-mor e um total de 90 golos em 99 jogos. A nação realista jamais esquecerá as campanhas terminadas em glória nas cidades de Lisboa (2014), Milão (2016), Cardiff (2017) e Kiev (2018), assim como o onze tipo que as tornou possíveis: Keylor Navas; Carvajal, Pepe, Sergio Ramos e Marcelo; Casemiro, Toni Kroos e Luka Modric; Gareth Bale, Karim Benzema e Cristiano Ronaldo.

Dois portugueses numa equipa eterna…